- Publicidade -

De vendedor de bebidas à fotógrafo, Drálton Bráulio das Neves Máquina, “Dráuton Máquina”, fala como entrou no mundo da imagem, assim como dos trabalhos que realizou ao longo da sua actividade profissional, particularmente na Fundação Sindika Dokolo, que considera ser a sua grande escola.

Em entrevista exclusiva ao Portal Marimba Selutu, na Marginal de Luanda, o homem de imagem revelou que “todo fotógrafo pode captar qualquer coisa, mas um bom fotógrafo torna uma foto numa coisa bonita” – chamando atenção sobre o conhecimento das técnicas para criar um resultado impactante, confirme aprendeu a abrir a mente à imagem cultural necessária na fotografia.

Entre os seus projectos profissionais, depois de anos de trabalho ao lado de Fernando Alvim, Cláudia Veigas e toda a equipa da Fundação, Drálton deseja realizar uma exposição fotográfica, mas ainda se encontra no processo de captação de imagens diversificadas como de animais e paisagens do país para alargar o seu público-alvo. Por outro lado, o fotógrafo conta com uma pequena equipa que têm feito alguns trabalhos, mas o foco principal é trabalhar nas outras áreas culturais, que existem no País

Fernando Guelengue (texto)
Guilherme da Silva (fotos)

Quando foi que a fotografia entrou na sua vida?
É uma história bem longa. Um amigo chamado Cláudio Tâmbue decidiu parar de estudar para se dedicar à fotografia. Eu não tinha muita inclinação para fotografia e nunca imaginei um dia ser profissional. Mas, ganhei o hábito de ver fotos a observar as que ele (Cláudio Tâmbua) fazia. Até que um dia, solicitei uma câmara para começar a fazer fotos.

Qual era a sua idade, naquele momento?
Eu estava com 22 anos, em 2014. É neste momento que tudo começou.

O que lhe comoveu mais, quando entrou nesta actividade profissional?
De certa forma, eu já tinha algum gosto pela fotografia, só não sabia. Num dia, qualquer como hoje, peguei uma máquina e fiz uma foto. O meu primo, Daniel Máquina, observou a fotografia e reconheceu que eu tinha um talento nesta área, aconselhando-me a seguir diante. Daí, conheci o Maradona Dias dos Santos, que é o meu chefe. Quando regressou de Londres, criou um projecto de imagens no qual produziu o filme “Dias Santana”. Ele sabia que eu estava a trabalhar num sítio e como ele era amigo do meu pai, sabia que eu gostava de fazer fotos. Eu atendia bebidas durante 2 anos, numa roulotte da minha rua. Já era muito conhecido nesta área.

Na roulotte ganhava 15 mil kwanzas, mas com o Maradona, comecei como aprendiz, sem salário e depois passei a ganhar 30 mil kwanzas

E essa mudança da roulotte para a fotografia?
Quando o Maradona chegou em Luanda, convidou-me para começar a fazer as suas fotos. Ele ajudou-me a ter um emprego melhor e pagava-me mais do que ganhava. Na roulotte ganhava 15 mil kwanzas, mas com o Maradona, comecei como aprendiz, sem salário e depois passei a ganhar 30 mil kwanzas. Foi sendo assim.

Foi dentro da IIIª Trienal de Luanda, que é um ciclo de movimento cultural, com Fernando Alvim e Cláudia Veigas, que fomos tendo outra visão sobre a imagem

E o que aprendeu com o Maradona?
Com ele, comecei a aprender mais sobre fotografia, concretamente as técnicas de câmara. Aprendi, para além dos três passos básicos para uma boa fotografia, que são o Iso, Diafragma e o Obturador, também as técnicas de iluminação e muito mais. Durante 2 anos de trabalho, o Maradona conseguiu um contrato com a Fundação Sindika Dokolo para as imagens da IIIª Trienal de Luanda. Começamos este projecto apenas com a noção da técnica e o botão da foto. Foi dentro da IIIª Trienal de Luanda, que é um ciclo de movimento cultural, com Fernando Alvim e Cláudia Veigas, que fomos tendo outra visão sobre a imagem. Sabíamos que a foto diz sempre qualquer coisa, a foto fala. Aprendemos que as mesmas têm poesias, por meio da Fundação.

Como foi este relacionamento profissional com pessoas que têm um profundo conhecimento cultural?
No primeiro e segundo mês, tivemos um acompanhamento rigoroso da Cláudia Veigas por ser uma profissional cultural que tem também formações em fotografia. Esta rigorosidade ajudou a construir o fotógrafo que sou hoje. Também trabalhamos muito em ambientes escuros, um conceito da Fundação e da IIIª Trienal de Luanda, que nos ajudou a perceber de forma mais aprofundada sobre fotografia, quando o normal e muito mais fácil é sempre precisarmos de luz natural para fazer uma foto. Foi uma forma muito rigorosa, mas muito boa de aprender.

O fotógrafo faz foto de qualquer coisa, mas o bom fotógrafo faz bonito qualquer coisa

De que forma evoluíram, com o trabalho mais voltado à cultura?
Depois de uns 6 meses de Trienal, começamos a ter as nossas visões e perceber que o que eu pensava de imagem, já não era a mesma coisa. Era tanta cultura em frente de mim. Tantos concertos e espectáculos teatrais. Poesias e actividades de solidariedade de forma muito corrida. Chegou um momento em que comecei a pensar na posição certa para fazer a foto perfeita. Temos de escolher o que fotografar. Todos nós, os fotógrafos, temos sempre a ideia de que o fotógrafo em si faz fotos de qualquer coisa, mas o bom fotógrafo faz sempre uma foto bonita. Ou seja, o fotógrafo faz foto de qualquer coisa, mas o bom fotógrafo faz bonito qualquer coisa. Estávamos a desenvolver a partir daí e a conhecer outros cantores que deram igualmente muita força como Ndaka Yo Wiñi e Jorge Rosa, que são artistas que permitiram trabalhar com eles, fora do conceito da Trienal. Permitiram-nos desenvolver tudo que fomos aprendendo lá e sem a presença dos líderes (Fernando Alvim e Cláudia Veigas). Era pôr à prova, os conhecimentos adquiridos no Palácio de Ferro.

Dentre os projectos que já trabalhou, tem uma ideia de quantos artistas já fotografou?
Devo ter fotografado mais de 1.200 artistas. O número da IIIª Trienal de Luanda sempre vai coincidir com o meu trabalho.

Há uma foto ou um trabalho que muito te marcou?
Na verdade, há sempre uma que marca. Todos os dias há uma que supera as outras. Mas, as fotos que me marcaram e não saem da cabeça, são muitas que tenho feito para uma colecção de projectos futuros.

Poucos artistas têm o histórico que você carrega por ter feito um trabalho interno na Fundação Sindika Dokolo, no âmbito da IIIª Trienal de Luanda. Já pensou em organizar uma exposição pública?
Depois de perceber que as minhas fotos tinham alguma qualidade, comecei a pensar em fazer. Só não faço ainda porque quero mais matérias, não queria fazer com conteúdos do âmbito da Trienal de Luanda. Mas, fazer coisas diversificadas para alargar o público artístico. Tenho viajado para o interior do País e tenho feito trabalhos com paisagens, animais e outras.

Palácio de Ferro, antes de um concerto musical. Foto: DR

Tem alguma data prevista para este trabalho?
Ainda não. Porque não tenho ainda todas as fotografias que desejo para a exposição. Penso que talvez no meado do próximo ano.

Hoje, o seu talento já permite ser um empreendedor na área de fotografia. Como avalia a receptividade do seu trabalho pelo público?
No começo foi muita crítica interna ao trabalho. Mas depois de alguns meses, consegui agregar valores que contribuiu na minha escolha para cobrir um evento internacional. Saí pela Trienal de Luanda para cobrir a Bienal de Veneza, no qual acompanhei a delegação da Cultura, onde o artista António Ole realizou lá uma exposição. Eu fui o fotógrafo responsável pera cobertura de uma semana naquele país.

Pode-nos descrever este momento?
Único. Foi uma emoção muito forte porque eu nunca tinha saído de Angola. Foi a minha primeira vez a ir à Europa e foi um momento em que não tenho muito como explicar. O sentimento e reconhecimento que tenho estado a receber é interno ao Palácio de Ferro e aos demais interessados. “Estamos sempre em movimento”, como diz o lema da IIIª Trienal de Luanda.

A rigorosidade dos líderes da Trienal de Luanda não era para limitar ninguém. Nós libertamo-nos ao ponto de ir buscar aquela personalidade, que está dentro de nós

Soube que havia muito rigor na actividade laboral no Palácio de Ferro. Esse rigor ajudou a formar a sua visão artística ou limitou a libertação da expressão do talento?
A rigorosidade dos líderes da Trienal de Luanda não era para limitar ninguém. Pelo contrário, eles trabalham muito para que as pessoas se libertam. Nós libertamo-nos ao ponto de ir buscar aquela personalidade, que está dentro de nós. Por exemplo, eu não gostava tanto de fotos, mas depois deles nos passarem os treinamentos que me ajudou a libertar, passei a considerá-las mais. Também trabalhávamos muito acanhado por causa de ter um chefe branco. Afinal, aquela rigorosidade permite uma contínua evolução e percebemos que a cor não era um impedimento. Eles tiram o melhor que há em ti. Entras na Fundação Sindika Dokolo com um talento e sairás de lá com pelo menos, cinco talentos diferentes. Há cultura de ensinar várias coisas.

Como funciona essa cultura de ensinar muitas coisas?
Eu comecei como câmara-man e a fotografia veio ao meio do caminho, tornando-se num foco número um. A Trienal transforma. Nunca perdes o foco da imagem porque um bom vídeo é uma imagem em movimento. Não perdi o traquejo do vídeo, mas faço mais fotografia.

Lá, não te exigem muito formalismos para se tornar funcionário. Eles estão aí para ajudar muita gente

Vocês chegaram a frequentar algum curso ou aprenderam as coisas por acaso?
Este é o engraçado da Trienal. Lá, não te exigem muito formalismos para se tornar funcionário. Eles estão aí para ajudar muita gente. Não foi um curso, mas um trabalho prático. Era tudo na prática e na básico do movimento diário. É como se diz: a prática faz a perfeição.

Olhando para o ambiente escuro do qual vocês estavam sempre mergulhados, a sua fotografia se tornou um padrão para muitos profissionais. Como isso aconteceu?
Enquanto trabalhas, percebes sempre que há uma evolução em vários aspectos. Conhecendo a sua câmara e se fizeres uma foto à noite, sem qualquer acessório como o flash e outros, podes aplicar um sistema personalizado para corrigir o ambiente de iluminação que a sua câmara tem. Depois, a pressão dos chefes ajudaram também a aperfeiçoar. Todos os dias aprendemos alguma coisa. A Trienal de Luanda foi uma evolução de dentro e de fora. 

Drálton Máquina e os seus colegas da Fundação Sindika Dokolo. Foto: Cedida

Será que já se pode afirmar que a IIIª Trienal conseguiu mudar o conceito de fazer fotografia em Luanda?
Tenho visto algumas coisas muito semelhantes, mas preferia não dizer que estamos a mudar todo o quadro. Apenas digo que estamos a contribuir para a melhoria do conceito de fotografia artística do país.

E qual o estado actual da fotografia em Angola?
Está num bom caminho. Infelizmente são poucos que estão num bom caminho. Temos as fotos dos fotógrafos e há aqueles que só apertam no botão. Conheço alguns canais de comunicação que detém bons profissionais, mas falta mais troca de experiências. Ainda não estou associado aos movimentos destas organizações para desenvolvermos mais.

No Palácio de Ferro se tornou formador de fotografia. Como foi esse processo?
Não me tornei formador profissional, mas tenho ensinado alguns fotógrafos. Eu posso passar a técnica, mas nunca te passo o olhar. Aquilo que se deseja fotografar, o enquadramento e outras coisas, devem vir do formando. Posso apenas ensinar as técnicas que são o uso do flash e os ambientes propícios para isso.

Já é valorizado o emprego da fotografia em Angola?
Estamos a caminhar ainda com muita dificuldade. Temos o conceito de que o fotógrafo é apenas aquele que fica na marginal ou no 1º de Maio à espera de pessoas para cobrar 500 kwanzas por fotografia. Quando falas que és fotógrafo, na sua zona, pensam que vais ficar num destes locais e em plana luz do sol, a procurar pessoas para fotografar. Há outros que conhecem o trabalho e começam a olhar diferente. Há amigos que sempre mandam uma visão artísticas fruto do trabalho que costumam a ver.

Quais são os seus projectos do futuro na fotografia?
Penso em fazer as duas coisas. Trabalhar com foto e vídeo, pois o vídeo é a fotografia em movimento. Para além de uma exposição fotográfica que desejo apresentar ao público, estamos a pensar em documentários e videoclipes de artistas que passaram na Trienal de Luanda. Dar mais espaços aos cantores que estão no anonimato e também para canais da internet. Na verdade, são videoclipes mais folclóricos e tradicionais para se evitar essa inovação (que se observa nos actuais vídeos). Porque temos um conceito muito errado de que os produtores angolanos, a maioria, prefere fazer mais trabalhos na cidade e com carros de luxo. Não concordo muito, mas aceito.

Quando saio de Luanda para uma província do interior do País, fico espantado com a paisagem e acabo por reconhecer o mesmo cenário nos vídeos de produtores que tiveram de viajar até Portugal para conseguir esse cenário.

Montamos já uma equipa de três fotógrafos e estamos abertos para dar suporte técnico aos artistas que nos procurarem

Está aberto para esses tipos de projectos?

Sim. Montamos já uma equipa de três fotógrafos e estamos abertos para dar suporte técnico aos artistas que nos procurarem. Tratam-se dos jovens Cláudio Tâmbue, Adilson Neto e eu. Já temos trabalhado em formações de fotografias em Cacuaco, como filmar cultos religiosos, concertos, palestras e muito mais. A nossa ideia é fotografar tudo e não deixar nada. Não vamos focar muito em música, mas vamos focar no teatro, pintura e outras modalidades culturais que existem no país.

Que espírito absolveu na Trienal de Luanda?
Lá aprendi a fotografia no geral e isso permite-me fazer fotografia em qualquer ramo.

Drálton Máquina é um fotógragro angolano. Foto: DR

PERFIL
Nasceu na rua Roberto Silva, na Rainha Ginga, no dia 28 de Abril de 1993. A sua mãe, Filomena Maria das Neves Máquina faleceu em 2013 e o seu pai, Paulo Reis Máquina, vivia na República Checa e agora já está em Angola. Tem a 12ª classe na escola 4 de Janeiro.

Deixe o seu comentário
Artigo anteriorNOS Alive confirma The Cure na edição de 2019
Próximo artigoOficina pretende preservar herança cultural da Dikanza

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui