Tiradentes: uma figura esquecida durante o Império? – Carlos Carvalho Cavalheiro

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Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como, foi um dentista, tropeiro, minerador, militar e activista político brasileiro. Foto: DR
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Na última sexta-feira, dia 21 de abril, gozamos de mais um feriado. O senso comum sempre nos aponta que sabemos apreciar os dias de suspensão das atividades cotidianas, mas que não nos interessamos em saber o motivo ou a origem de tal situação. Em outras palavras, comemoramos o feriado como dia de descanso e não como homenagem ao que ele se refere.

No caso de Tiradentes, o feriado foi originalmente estabelecido por meio decreto nº 155 B, de 14 de janeiro de 1890 do primeiro Governo Provisório da República á memória dos mártires da Liberdade, resumidos na figura do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”. Com o advento da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao Poder, o feriado foi cassado, assim como outros, pelo decreto do Governo Provisório, de nº 19.488, de 15 de dezembro de 1930. Três anos depois, Getúlio Vargas considerou que “dentre os feriados nacionais oprimidos por decreto do Governo Provisório […] o de 21 de abril era o de maior expressão histórica, por isso que fora consagrado á memória dos precursores da República, simbolizados no mártir, alferes Joaquim José da Silva Xavier, o ‘Tiradentes’”, o que o levou a restabelecer esse feriado por meio do Decreto Nº 22.647, de 17 de Abril de 1933.

Tiradentes foi alçado ao posto de mártir e de supremo herói do Brasil. Inquestionável, a figura do Tiradentes foi usada por grupos políticos das mais diferentes matizes. Durante a ditadura civil-militar do Brasil (1964 – 1985), por exemplo, Tiradentes foi usado por grupos contrários e a favor do governo. O MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) foi um grupo armado contrário à ditadura militar e que atuou de 1969 a 1971. Em 1965, o governo ditatorial declarou Tiradentes como Patrono da Nação Brasileira (Lei 4897 de 9 de dezembro de 1965).

Há algumas décadas, historiadores têm advogado a ideia de que Tiradentes foi um herói “recuperado” pela República, tendo sido praticamente esquecido durante o Império. Aparentemente, no entanto, não é bem verdade que essa figura histórica tenha passada despercebida durante o Império brasileiro.

Notas de jornais de época, por exemplo, apontam que Tiradentes era bastante conhecido – embora, nem sempre, exaltado – desde, pelo menos, a década de 1830. Se é bem verdade que não se encontram referências ao conspirador mineiro na década anterior, período de governo do primeiro imperador (1822 a 1831), é fato que durante a Regência e o governo de Dom Pedro II o nome de Tiradentes aparece com certa frequência nos jornais.

É preciso lembrar que o nome de Tiradentes, possivelmente, não fora citado anteriormente devido ao fato de que ele representasse de certa forma a traição ao governo português. Sendo Dom Pedro I um imperador português, talvez seja esse o motivo pelo qual o inconfidente tenha sido ocultado durante a vigência do primeiro reinado do Brasil.

Em 1838, no entanto, o nome de Tiradentes aparece ligado a uma organização secreta chamada “A Gruta”, formada na cidade mineira de São João Del Rey, “cujo fim principal he fazer a independência da Província” (CORREIO MERCANTIL, 19 maio 1838, p. 1; O SETE D’ABRIL, 4 maio 1838, p. 3 e 18 jun 1838, p. 2). Curiosamente, numa dessas publicações aparece o lado controverso da interpretação que se fez, naquela época, da conspiração da qual Tiradentes fez parte. Numa carta assinada apenas por “Tio Mendes”, o missivista diz que “um Sr. Eleitor […] que não desistia de seus princípios nem a ferro, pois tinha a glória de legar aos seus descendentes e vindouros o heroico sangue de um Tira-dentes, e d’esses desgraçados mártires da Bahia, e de outros semelhantes heróis!! Ao que lhe respondi, que a minha gloria era legar aos meus o feliz systema de Governo que adotamos e que nos rege, á sombra do qual, gozando-se de uma paz duradoura, bem pudessem adequirir os meios da decente e necessária subsistência” (O SETE D’ABRIL, 18 jun 1838, p. 2).

Já o Jornal do Commercio, publicado no Rio de Janeiro, na edição de 5 de abril de 1837, na página 4, anuncia a publicação do livro “História do Brazil”, pela Casa de J. Villeneuve & Companhia, em cujo índice aparece a Sedição de Villa Rica e a Execução de Tiradentes.

Na década seguinte Antônio Gonçalves Teixeira e Souza publicou o romance “Gonzaga ou a Conspiração de Tiradentes”, demonstrando que o personagem histórico não era de todo desconhecido ou esquecido antes de ser “recuperado” pelos republicanos como “herói” nacional (JORNAL DO COMMERCIO, 7 abr 1849, p. 4; O MERCANTIL, 13 set 1847, p. 3).

Uma publicação mineira chegou a dizer do exagero com que fora tratada a Inconfidência de Minas, a qual, segundo o texto, nada mais fora do que a exaltação de ideias de liberdade trazidas por um viajante recém-chegado da Europa e que se influenciara com o que acontecia na Revolução Francesa. A mesma publicação atribui o atraso político e econômico da então Província de Minas Gerais, diante do exagero com que foram punidos os acusados de conspiração. Diz o texto:

[…] Todos os que possuião alguns conhecimentos, tornarão-se suspeitos; não se descobrio prova alguma da conspiração; não se encontrarão armas, nem correspondências; porém as palavras mais innocentes reputarão-se como crimes. O supposto chefe da conspiração, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido pelo nome de – Tiradentes – , foi condemnado á morte, arrasou-se-lhe a casa; e no lugar, que occupava, collocou-se huma columna truncada, em cujo pedestal gravou-se huma inscripção em memoria do pretendido crime, e do supplicio que se lhe seguio. […] (O RECREADOR MINEIRO, 2º Semestre de 1845, p. 281).

Em 1846 é publicada na Revista de História e Geographia do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro a tradução do artigo “Conspiração em Minas Geraes no anno de 1788”, de autoria de Roberto Southey e vertida para o português pelo Conselheiro José Rezende da Costa, o qual afirma, na abertura do trabalho, que “com a maior sorpresa e tristes recordações foi a minha alma abatida quando […] foi apresentada […] a sentença pela qual foram julgados os indivíduos que primeiro tentaram em Minas Geraes, no anno de 1788, a independência do Brasil […]”

Esse trecho deixa claro que na década de 1840 Tiradentes já era visto, pelo menos por alguns, como um precursor da Independência do Brasil. Em 1856, um artigo publicado na imprensa lamentava o fato do Brasil esquecer-se de seus heróis: “Entretanto, que lamentável ignorância entre nós! Que desdém das glorias pátrias! Conhece-se o nome de obscuros reis merovíngios; ignora-se quasi os de Camarão, Vidal de Negreiros e Tira-dentes” (DIARIO DO RIO DE JANEIRO, 15 mar 1856, p. 3).

Antes de se tornar o herói defensor dos ideais “republicanos”, a partir da década de 1860, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi elevado ao posto de herói do Brasil por, supostamente, sonhar com a independência. Se se pode afirmar que sua biografia se ajustava aos interesses da justificativa do republicanismo, é verdade também que se coadunava com a necessidade de consolidação de um país que se tornara há pouco independente de uma Metrópole europeia.

Talvez seja caso ímpar na História a existência de uma personalidade que se torna adequada a situações tão diversas – e até mesmo opostas – como é o caso de Tiradentes. Não é à toa que merece, de fato, um feriado nacional.

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