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Apaixonado por leituras e viagens, mas que teve a educação como Sector inicial para contribuir para o desenvolvimento de Angola, o jornalista e professor Mauro Guilherme destacou-se na profissão que começou na Rádio Nacional de Angola, na província da Lunda Norte.

Longe do quadro e dos alunos, a profissão dos seus sonhos – o jornalismo – foi a úncia que lhe deu a oportunidade de reviver a cultura Leste com maior profundidade ao ponto de dar tratamento de uma peça intitulada “Sucessão da Herança na Cultura dos Povos de Angola”, difundida no 27 de Março de 2023, no programa Mutambi Waha, da Rádio Ecclésia Lunda Norte.

No meio dos seus amigos e nos debates habituais que qualquer jornalista abraça, Mauro Guilherme recebe um telefonema que mudou completamente o cenário da sua candidatura: “nunca vou esquecer daquela data”, reconheceu.

Longe de saber que o seu trabalho, que descreveu os critérios obedecidos na sucessão da herança dos povos Cokwe, Lunda, Mukongos e Ovibundus, seria a seleccionada para o prémio na categoria “Jornalista do Leste”, arrecadando 3 milhões de kwanzas. Neste 31º ano de celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa que se assinala esta sexta-feira, 3, conversamos com um jornalista. 

O seu trabalho sobre a herança da cultura cokwe venceu a categoria “Jornalista do Leste” na segunda edição do Prémio Catoca de Jornalismo. O que esta distinção representa para si?
É o reconhecimento da importância de se conhecer o direito costumeiro do mosaico antropogénico de Angola, em particular do Leste do país.

É o primeiro reconhecimento da sua carreira profissional ou já teve outros prémios locais?
A minha caminhada na senda do jornalismo já me rendeu dois outros prémios 2008 e 2009 respectivamente, quando trabalhei na emissora local da Rádio Nacional de Angola (RNA), na Lunda-Norte. Este prémio é mais uma tentativa que deu certo.

Como tomou conhecimento que o seu trabalho estava entre os seleccionados deste concurso de jornalismo?
Risos. Numa noite de sexta feira, 15 de Abril, recebi uma chamada da empresa Catoca e nunca mais esquecerei desta data. Estava com  amigos numa das ruas da Centralidade do Mussungue, onde resido, a trocar ideias sobre vários assuntos sociais, culturais, políticos e não só.

Tão logo ouvi do outro lado a voz do senhor que falou comigo, identificando como sendo funcionário da empresa de exploração diamantífera Catoca, cheguei à conclusão, naquele instante, que tinha sido seleccionado para a fase final do Prémio Catoca de Jornalismo, edição 2024. Mesmo assim, não fazia ideia de que tinha ganho o prémio na categoria do Leste de Angola, entre tantos trabalhos, que penso eu reuni os requisitos exigidos para ser distinguido como um dos vencedores.

Quais foram as motivações que estiveram na base para trabalhar a peça sobre a Cultura Côkwe?
Pessoalmente, como nativo do Leste, vivi a cultura com maior intensidade quando adolescente. A tradição oral era conjugada com as manifestações culturais, ricas e transcendentais, é o combustível que queima no peito dos amantes da nossa cultura que precisam reviver e dar a conhecer às novas gerações bem como aqueles que buscam conhecer os hábitos e costumes da terra dos seus antepassados, com a qual se identificam ou de forma casual ou de forma investigativa procurando as respostas necessárias e assertivas.

Antigamente o sobrinho herdava o poder tradicional, e os bens materiais eram destinados para os filhos. Hoje por hoje, esse costume, não é mais validado.

Pode contar-nos sobre o que esta mesma peça jornalística apresentou a sociedade e onde ela foi divulgada?
A peça jornalística “Sucessão da Herança na Cultura dos Povos de Angola descreveu de forma directa e objectiva, os critérios obedecidos na sucessão da herança, nos povos Côkwe, Lunda, Bacongos e Ovibundus. A ideia transmitida na peça é a seguinte: quem herda os bens materiais quando morre um chefe de família? Dos vários relatos ouvidos dos membros das comunidades dos povos acima mancionados e entrevistados, ficamos a saber que, para os Côkwe e Lundas, antigamente o sobrinho herdava o poder tradicional e os bens materiais eram destinados aos filhos. Todavia, hoje por hoje, esse costume, não é mais validado. A mesma foi difundida no dia 27 de Março, no programa Mutambi Waha, da Rádio Ecclésia Lunda Norte.

Afinal, quem não sabe de onde vem não tem identidade própria.

Numa fase em que o país está muito politizado e agudizam os problemas sociais, como encara a valorização do jornalismo cultural em Angola?
O jornalismo cultural é um instrumento de reivindicação e transmissão da cultura de um povo. Sendo igualmente um conjunto de manifestações filosóficas, espirituais e costumeiras, é «sui generis». Isto a torna propriedade imaterial e colectiva do povo que a pratica. Assim como um idioma é um organismo vivo e precisa de ser protegido, o que pressupõe, a sua divulgação por meio da prática e/ou transmissão às novas gerações carece de investimento monetário e temporal por parte de quem detém o poder para o fazer, que é o Estado e entidades particulares conscientes das suas obrigações sociais devido o poder financeiro para o efeito. Afinal, quem não sabe de onde vem não tem identidade própria.

Como tem sido o acesso às fontes de informação na Luanda Norte?
Por estas paragens, tem sido difícil e torna-se mais difícil ainda quando se refere da Rádio Ecclésia num encalço de uma matéria, fundamentalmente as institucionais. Durante a emissão dos nossos programas radiofónicos, sobretudo os informativos, difundimos regularmente as matérias jornalísticas de denúncias escritas e telefónicas através do cruzamento de fontes ligadas a sociedade civil, organizações não-governamentais.

É muito repugnante ver jornalistas na hora de ir ao campo para colher matéria, arrojar-se em viaturas dos responsáveis de instituições que em muitos casos solicitam serviços destes profissionais.

E sobre as condições sociais dos jornalistas em Angola. Tem algo a nos dizer?
Muito triste falar que as condições sociais dos jornalistas em Angola são muito deploráveis. Sinceramente, uma meia dúzia está meio acomodada, muito por conta de filiação partidária, ou seja como se diz na gíria, porque têm “padrinho na cozinha”. As estruturas que superintendem o jornalismo em Angola deveriam rever a questão salarial dos jornalistas, para melhorar as suas condições sociais.
É muito repugnante ver jornalistas na hora de ir ao campo para colher matéria, arrojar-se em viaturas dos responsáveis de instituições que em muitos casos solicitam serviços destes profissionais, tudo porque os órgãos de comunicação não possuem meios de transporte para este serviço, principalmente nas Províncias.

Quer dar mais alguns detalhes?
E muitos deles [jornalistas] acabam por falecer como mendigos, sem uma residência condigna para habitar, assim como um salário também a altura para sustentar a sua família. Durante a sua vida, estes profissionais dedicam grande parte do seu tempo para um serviço que não o remunerou como deve ser. É como eu disse anteriormente, todo o ser humano trabalha para contribuir com um pouco do seu saber na sociedade e espera em contrapartida uma recompensa como dever ser. Mas, infelizmente, a realidade é muito vergonhosa.

Hoje em Angola viver apenas de salário é uma miragem, ou seja, é uma dor de cabeça/ hecatombe.

Diante deste cenário social avassalador, o que pensa fazer com os recursos arrecadados neste prémio?
Com este dinheiro arrecadado, três milhões de kwanzas, penso em primeira instância, materializar um pequeno negócio que tinha idealizado. Rentabilizá-lo, como forma de manter algum rendimento extra para sustentar certas necessidades básicas, pessoais e da minha família – mulher e meus 5 filhos, sem esquecer da pequena LWEJI AYANA GUILHERME – que será a sexta filha, que já se encontra a caminho. Ou seja, prestes a nascer. Uma vez que a minha esposa espera apenas alguns dias para dar à luz, pois, hoje em Angola viver apenas de salário é uma miragem, ou seja, dor de cabeça/hecatombe. Pensava tambêm em adquirir uma pequena viatura para facilitar na locomoção, mas não será desta vez. O valor é ínfimo, vou trabalhar para tal, o Jornalismo é uma grande e boa profissão, a remuneração é que peca e de quê maneira. Mas, tenho fé que novos ventos irão soprar a meu favor e o que hoje é dificuldade amanhã será alegria. Aliás, como todo um cidadão trabalha para contribuir um pouco com seu saber, e o fim ao cabo espera pela satisfação pessoal.

Quando e onde começou a sua paixão pelo jornalismo?
Minha paixão pelo Jornalismo começou em meados do ano 2001, na Rádio Lunda Norte, do Grupo RNA e foi uma grande escola pra mim porque é lá onde aprendi o ABC do Jornalismo. Beneficiei de diversos cursos de superação de locução, técnicas de redacção e entrevistas. Essa paixão começou ouvindo/apreciando regularmente, os programas de entretenimento e informação, as reportagens feitas em directo por repórteres profissionais que abordavam sobre flagrantes na cidade do Dundo, capital da Província da Lunda Norte. Estes factos ocorriam principalmente nos bairros e arredores, numa altura que observava muitos jovens da minha faixa etária dos 19 aos 20 anos, factos que alimentaram muito essa paixão pela profissão.

O que de facto queria ser?
Na verdade, eu queria ser jornalista desportivo, pois dei os primeiros passos na redacção desportiva, mas não deu certo. Fui dispensado pelo então Director da Rádio, naquela época (Cabo Dias Paulo, hoje colocado na redacção desportiva da Rádio 5, em Luanda), por não ter dado conta do recado no fim de um curto estágio de 6 meses. Depois daquela fase, beneficiei de uma segunda oportunidade noutra área, isto é, de informação, foi aí onde despontei para o mundo do Jornalismo.

Quais foram os seus principais influenciadores para entrar nesta profissão?
Os meus principais influenciadores foram, o meu tio João Manuel, que trabalhou durante longos anos na Rádio Nacional de Angola, o meu falecido irmão mais velho (Joaquim Emília Sango), que teve uma curta passagem por esta mesma estação, e Eduardo Magalhães, embora jurista, mas prestou serviços igualmente à Rádio Nacional de Angola. Sem se esquecer de um grande amigo meu, que foi DJ na Rádio Lunda Norte, o Tico Tico Jardim, sendo o que me apresentou ao chefe da área técnica da emissora da Lunda Norte, do grupo RNA, com o objectivo de ser DJ ou técnico de som. Pensava que tocaria muitas músicas na Rádio sempre que o auditório precisasse e o Paulo Alexandre Sebastião Bala, “Paulo Alex”, um primo irmão que era repórter com trabalhos notáveis. É mais ou menos assim que fui influenciado. De lá para cá foi apenas vendo jornalistas sucedidos, superando-me e caminhei até chegar aqui.

Quem é Mauro Guilherme?
Sou uma pessoa de trato fácil, firme e fiel às minhas convicções. Aprecio um dedo de conversa e conhecer pessoas novas me fascina. Valores tais como honestidade e críticas construtivas são atributos que prezo nelas [pessoas], o que apesar de ser uma figura pública, não me torna amigo de muitos. Sou cristão da Igreja Metodista Unida, professor e licenciado em Ciências da Educação, na especialidade de Biologia.

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