Ima Tchitanga: uma artista que se divide entre talentos e sonhos

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Ima Tchitanga é o pseudónimo de Imaculada Eliane Tchitanga. Fotografia de Domingos Barreto
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O seu processo criativo é banhado com o amor e paixão exagerada pela liberdade, considerando a arte como uma arma de expressão contra toda e qualquer forma de bloqueio e intolerância

Francsico Bussulo

De uma personalidade forte e sorriso contagiante, Ima Tchitanga adora o amarelo, mas tem o preto como instância para as suas inspirações.

Conhecida como mulher de diálogo franco e aberto, a artista plástico adora desafios que a revelam um novo mundo e novas formas de encarar a realidade em sua volta, o que permitiu o destaque nacional dos seus trabalhos ao lado de Vitex. Ela é de uma tendência extraordinária no universo das artes plásticas, que emergem no País. 

Apesar de ter nascido no Sul de Angola, a estudante finalista de artes plásticas na Universidade de Luanda, é uma artista que tem desenvolvido projectos de pintura e vai emprestando o seu saber na Academia, ministrando artes em vários ateliers em que está associada.

Em entrevista exclusiva ao Marimba Selutu, a nossa interlocutora qualificou a sua entrada ao mundo das artes plásticas como “uma bonita loucura”, por possuir gosto ao desenho desde tenra idade, realidade que a fez desistir de um projecto ligado a engenharia de Construção Civil para ganhar espaço no mundo das artes.

“Acho ser a maior ladainha entre vários artistas, pois eu apreciava bastante as influências artísticas do meu irmão, tentar superar e fazer de tudo um pouco que ele construía no seu dia-a-dia. Mas, quando me deparei com a disciplina de Educação Laboral, desisti da expressão excessivamente tecnicista e matemática para me entregar à liberdade das artes”, confessou a jovem artista, sustentando que naquela altura não tinha percebido que o caminho para as artes plásticas seria a Educação Visual e Plástica (EVP), pelo que actuamente a sua maior ocupação como artista emergente da Nova Angola.

Ima Tchitanga durante a entrevista com o jornalista Francisco Bussulo. Fotografia de Domingos Barreto

É neste universo de escolhas, decisões e opções de seguir a vida que Tchitanga chegou a sentir paixão igualmente pelo ensino, altura em que queria ser professora, logo após o término do ensino elementar, o que não permitiu ter tal oportunidade.

Apesar da Medicina ser uma das opções favoritas dos seus pais, a artista não sentia qualquer orgulho na área, o que alinhou o seu sonho e paixão em frequentar a formação de Agronomia na Universidade Kimpa Vita.

“Como os meus pais possuem um amor enorme por mim, não suportariam ver-me distante deles, principalmente a minha mãe. Logo, tive de projectar-me para testes em Artes Visuais e em Moda, na Universidade Agostinho Neto e foi na primeira que acabei por optar por falta de verbas para testar nos dois cursos”, revelou Ima Tchitanga, acrescentando que obteve um resultado positivo no Instituto Superior de Artes – ISART, que actualmente é parte da Universidade de Luanda.

Eu não sabia quem realmente era Viteix, mas durante a exposição percebi que os meus colegas se orgulharam dos meus feitos

A sua aplicação e participação aos estudos na opção que os seus pais tiveram de aceitar levou-a ao quadro de mérito no primeiro ano do ensino superior, durante o qual Tchitanga viu as suas primeiras obras de artes expostas ao lado do maior artista plásticos angolano de todos os tempos, Viteix, numa iniciativa da Fundação Sindika Ndokolo. “Eu não sabia quem realmente era Viteix, mas durante a exposição percebi que os meus colegas se orgulharam dos meus feitos, altura em que se assinalou mais um ano de existência da cidade de Mbanza Kongo. Foi interessante”, disse.

Volvido algum tempo, os pais de Tchitanga mostram-se como seus maiores curadores de arte, cuidam da oficina, dos materiais e levam as visitas para apreciar o talento e as produções em sua residência, tal e que a sua genialidade a fez somar a nível das exposições e aparições em eventos de arte, como na Exposição – LiterArte, produzida pela antropóloga Alzira Simões, há dois anos, “Water for Life”, na escola americana, “Almas Misturadas”, que uniu três mulheres dedicadas as artes, num evento promovido pelo vencedor de ENSA 2021 e Tons no Feminino.

EVENTOS CULTURAIS

“’Almas Misturadas’ foi a minha melhor exposição, onde aconteceu tudo que esperava. Foi rigoroso, comunicativo desde a sua produção e exposição criteriosa”, referiu a artista que chegou a participar em mais de 30 eventos culturais no País. 

O nível de participação das exposições a fez descobrir novos horizontes, contribuindo na produção de uma matriz de obras de artes diversificada, da intimista às obras comerciais, como recomendação editorial de expositores, curadores e conhecedores de artes plásticas.

Neste quesito, a nossa convidada revela-se como possuidora de um talento comparável às obras intrínsecas do artista britânico Banksy em que tendem a chamar atenção do público sobre determinados fenómenos socioculturais, pintando com um senso artístico de desconstrução natural da vida e da ruptura das artes visuais como a do artista espanhol Salvador Dali.

“São obras que falam como se elas estivessem a cobrar algo de si”, desmistificou Tchitanga.

“A minha poética artística insurge-se na meditação da pessoa, no lado humana das coisas, um referencial introspectivo, que revele algo para quem vê, lê ou estuda a obra, acrílica sobre a tela ou de técnicas mistas, com óleo, reciclagem, colagem, segundo as novas abordagens de preservação da nova agenda ambiental”, pontualizou.

RECICLADOS APROVEITADOS

Em torno de sua oficina psíquica, Tchitanga fez saber, que possui uma responsabilidade acrescida, sempre que trabalha com material reciclado, a necessidade do tratamento antes de a tornar num espólio artístico, a fim de ganhar estética e forma, como sacos de arroz, vasilhas de garrafas ou chapas de raio X.

“É uma loucura trabalhar com material reciclável, desde a sua colecta até a produção, as pessoas sempre questionam, quando apanhamos estes objectos, se estamos desviados ou a entrar numa fase de loucura, que até já contagiei a minha mãe nesse processo de produção artística. Ela já percebe qual o material necessário, que pode ou não ser colectado”, declarou a jovem artista, reconhecendo o elevado número de artefactos colectados que se encontra na sua oficina e a sua mãe sempre questiona o uso dos mesmos.

Ima Tchitanga é uma artista que tem estado a se posicionar na carreira. Fotografia de Domingos Barreto

Em resposta, Tchitanga refere estar preparada para o universo artístico requere espaço e tempo para transformação de um simples material à obra de arte, através da construção de um conjunto de obras de alta dimensão e que respondam às necessidades artísticas do mercado internacional.

Após esse processo, surge então a concepção comercial da obra, o seu costo financeiro durante e após uma exposição, em atelieres, por encomenda ou até mesmo quando elas são expostas nas ruas da capital de Luanda.

“Os colecionadores de arte africana e curadores são as pessoas que mais adquirem as nossas obras de arte, mas o ritmo se viu reduzido pelo facto da COVID-19, fase em que fomos obrigados a se reinventar para continuarmos a pintar e a partilhar o valor estético, filosófico e comercial das nossas obras, muitos quadros foram vendidos a preços miúdos, por encomendas e nas ruas, uma vez que as Galerias estavam encerradas”, revelou.

A venda de obra de arte no país é um mercado especializado, onde os compradores têm um perfil que combina com o dos artistas plásticos, é nas mãos destes colecionadores, em que repousam todas as obras de interesse comercial. “Já vendi obras de arte em que tive de recorrer ao comprador para vender-me de volta, porque foram obras que impactaram a minha vida e o sistema do meu processo criativo”, recordou.

No nosso mercado das artes plásticas é notável o esforço da representação de peças e quadros baseadas na filosofia africana, feita por artistas com maior estrada no mundo das artes, enquanto os mais jovens, mergulham ainda, num cosmo de representação de suas intimidades, como retratos e reflexos de influências generalistas.

CURADORIA E CRÍTICOS DE ARTES PLÁSTICAS

A nossa entrevista foi além, da mediação e curadoria de e para exposição de quadros artísticos, a esse respeito Tchitanga considerou existir, ainda, uma lacuna, pelo facto dos curadores ainda não se destacarem durante todo processo de concepção das exposições artísticas. “E quando eles se posicionam na mediação ou no processo da curadoria, não terminam o trabalho, e vezes sem conta o artista é sujeito a realizar duplos papéis, o de expositor e curador. Deixemos de improvisar a curadoria, pois é necessário adquirir influências positivas nessa área como as de Suzana Sousa e as do Professor Romolo, que se aplicam e fazem uma curadoria de excelência”, alertou.

Ima Tchitanga é uma artisya plástica de mãos mágicas. Fotografia de Domingos Barreto

O mesmo diz-se do crítico de obra de arte, que para a nossa convidada, não se resume na edição de uma leitura crítica publicada num jornal para consumo público, requer a profissionalização e o conhecimento profunda das obras de arte no contexto do artista. “Conhecer a sua vida, acompanhar seu trabalho sem restrições” e da produção nacional, como indústria ou um segmento especializado das artes”, reforçou. 

“A nível da crítica em Angola, ainda temos muita estrada a percorrer, por não haver divulgação e, quando surge nos jornais ou na internet, é sempre consequência de uma exposição ou evento cultural, quando poderia ser um processo inverso. Estou aberto para colaborar com qualquer crítico de arte”, sustentou.

Tchitanga fez saber ainda que muitos artistas plásticos fecham-se aos críticos, preferem conceder entrevistas a Televisão, pelo facto daqueles surgirem espontaneamente em exposição de obras de arte, e alguns desconhecerem, à priori, a vivência e níveis de produção individual dos artistas.

“Queria mudar, estava na mesmice, a pintar mulher, e sobre mulher, era necessário apostar nesse desafio [de pintar homens], tive de pesquisar as mulheres a fim de encararem os homens numa inversão de papéis, homens que choram, amam e se doam. Homens zungueiros, cobradores e rapazes a serem violados, etc., foi uma colecção que valorizou os homens”, disse em exclusivo ao Marimba Selutu.

O sentimentalismo subjectivo nas obras de artes pintadas ou colectadas por Ima Tchitanga, drena no seu processo criativo um vulto de imaginações intemporais, íntimo e de um nível de expressionismo que se confundem com o surrealismo elevado para chamar atenção do público, criando dor, comoção ou repulsa, a exemplo de uma dessas obras é a “Stop Trafic of Woman”, que valeu a exposição “Nuances no Feminino”, na casa Rainha Nginga Mbandi.

A artista que já elaborou várias performances públicas e restritas, no Instituto Superior de Artes – ISART e nas ruas da Baixa de Luanda, ama a liberdade no processo de sua produção e considera a arte como uma arma de expressão contra toda e qualquer forma de bloqueio e intolerância. Está actualmente a preparar uma gigantesca exposição, que poderá valer o seu grau de licenciatura em Artes Visuais pela Universidade de Luanda.

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