No Brasil, a data de 20 de novembro é a celebração do Dia da Consciência Negra e rememora a morte de Zumbi, o último líder de um refúgio de escravizados chamado de Quilombo dos Palmares. Isso ocorreu em 1695, mas a data passou a ser comemorada em fins da década de 1970.
Há exatos dez anos, estive numa cidade chamada Capivari, que se localiza na região conhecida como Vale do Médio Tietê. O rio de mesmo nome impulsionou os exploradores portugueses e brasileiros dos séculos XVI a XVIII a adentrarem o interior do país, uma vez que, por capricho da natureza, esse rio não desemboca no mar e sim corre para o interior das terras que hoje são o Estado de São Paulo.
Pois bem, estive em Capivari no dia 27 de novembro de 2011, com a finalidade de discorrer sobre outro personagem da História, também escravizado, e que liderou uma fuga em massa dos cativos daquelas plagas. Esse personagem ficou conhecido como Preto Pio.
Foi nessa oportunidade que tive o prazer de conhecer o professor Victor Lutuguissa Nguiovani Mata, cujo sotaque o denunciou imediatamente: era proveniente de Angola. Desenvolvemos, a partir daquele momento, uma amizade que rendeu a visita do ilustre professor, dois anos depois, no lançamento de meu livro “Nossa Gente Negra”. Neste ano de 2021, fui novamente chamado àquela cidade para falar sobre o Preto Pio e a fuga que ficou conhecida como Êxodo do Capivari.
Quando recebi o convite, procurei saber sobre o professor Victor Lutuguissa e soube que ele havia falecido há alguns anos, em 22 de outubro de 2018. Fiquei triste com a notícia. Não tivemos tempo de conversarmos sobre tudo o que gostaríamos. Procurando entre os conhecidos, encontrei o contato de seu filho homônimo, Victor. Desse contato, pude saber mais sobre a vida extraordinária do professor angolano que viveu parte de sua vida no Vale do Médio Tietê.
Victor Lutuguissa Nguiovani Mata nasceu no dia 28 de dezembro de 1954 em Kibokolo, província de Uíge, em Angola. Pela proximidade geográfica com o antigo Zaire, atual Congo, e por conta dos conflitos territoriais de fronteiras, sua família se muda para o Congo. Nesse país, ele aprende a ler e escrever o idioma francês, participando de programas de estudos pela ONU. Segundo o seu filho, o professor Victor, “Sofria certa descriminação perante aos cidadãos do Congo, pelo fato de ser angolano, algo que sempre lhe marcou muito e fez com que tivesse um sentimento de dever muito forte para com Angola”.
Quando ocorreu a independência da Angola em relação a Portugal, em 1975, Victor Lutuguissa Nguiovani Mata retornou ao seu país de origem devido a necessidade do governo angolano em estabelecer uma base intelectual. Assim, o professor Victor, que havia frequentado a Universidade no Congo, ocupou cargos da nova administração do país, nos quais se necessitava o conhecimento acadêmico.
Durante a Guerra Civil, embora não tivesse participado dos conflitos armados, Victor Lutuguissa envolveu-se na ajuda humanitária por meio de ONG’s. Dando sequência aos seus estudos universitários em Angola, participa de um programa de colaboração entre o governo angolano e Cuba. Com o fim do programa, o governo de Angola enviou os estudantes a países de língua portuguesa para concluírem o estudo universitário. É nessa oportunidade que Victor chega ao Brasil em 1983 para estudar na USP (Universidade de São Paulo).
Um ano depois, casa-se com Jussara Regina Leite da Silva Mata, que ele conhecera na USP. No início da década de 1990, muda-se para Capivari e, anos depois, torna-se sócio da escola de idiomas Wizard na cidade de Capivari. Nessa oportunidade, cria programas de bolsas para pessoas carentes da comunidade capivariana que não tinham acesso ao estudo de idiomas para que pudessem ter a oportunidade de estudar.
Em 2000, ainda em Capivari, funda a ONG AfroBras, que tem como objetivo proporcionar o ingresso de negros nas Universidades por meio de bolsas de estudos. Trabalhou muito em prol da causa da igualdade racial, não só em Capivari, mas em diversas localidades do Brasil, ajudando na inserção de pessoas no mercado de trabalho, indicando-as aos empresários que faziam aula de francês com ele. Em 2013, criou a ONG ARKA que ajudava imigrantes e refugiados no Brasil.
A vida intensa e intelectual de Victor Lutuguissa Nguiovani Mata pode ser representada por sua formação poliglota: era falante do Português, do Francês, do Lingala, do Kikongo, do Inglês e do Espanhol. Tantas línguas que se associam à sua trajetória e, ao mesmo tempo, refletem a diversidade e a multiplicidade intelectual do homem.
Como se costuma a dizer aqui no Brasil, sobretudo os praticantes da religião Umbanda, desejo que Victor Lutuguissa esteja agora caminhando pelas alamedas de Aruanda.
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Carlos Carvalho Cavalheiro é Mestre em Educação (UFSCar), Licenciado em História e Pedagogia Bacharel em Teologia, Especialista em Metodologia do Ensino de História e em Gestão Ambiental e Historiador brasileiro registrado no ME sob nº 317/SP.