“O homem é sagrado para outro homem” (Séneca)
Ao dedicar atenção à temática supra descrita, à primeira vista, poucas possibilidades escapam da percepção de que se está diante de um fenómeno, contrário às noções de relação, progresso pessoal e colectivo, porém, pesando todo o exposto, muitos há que vivem nestes moldes.
Tendo como pano de fundo o juízo segundo o qual a linguagem se torna mais inteligível graças ao aprimoramento dos conceitos (Zassala, 2005), torna-se útil dizer que a cultura, no seu sentido lato, pressupõe ideia e prática. Inclui crenças, hábitos de homens pertencentes a um determinado grupo e que possibilita a compreensão de cada um no contexto histórico-social. Na Antropologia cultural, é tida como um processo voltado à conservação dos homens, àquilo que os torna singular e comum, implica cultivá-los.
Aglutinando a ideia de cultura à de anulação do outro, sob a influência da Antropologia filosófica, sem negligenciar as contribuições psicossociológicas esta remete fundamentalmente para a compreensão do homem, sua relação com outros homens e seu valor, cuja contradição pode-se encontrar no pensamento naturalista, originário de Plautus (254-184 a.C.), dramaturgo romano, que ao repensar a vida e ressentindo a degradação humana, construiu a célebre frase “homem é o lobo do homem”, sendo, mais tarde, vulgarizada por Hobbes, em 1651.
Dado o grau de abrangência, complexidade e problemática da cultura em abordagem, não seria menos verdade dizer que ela é conhecida por uma pluralidade de indivíduos, contudo, como explicá-la à luz de uma perspectiva julgada profícua para as distintas etapas que perfazem o ciclo vital?
Com base a questão, pode-se dizer que ter consciência do mal é condição necessária para combatê-lo, no entanto, não é suficiente. Pois grande parte das pessoas que o praticam, têm noção da sua repercussão. E este dilema chama, iniludivelmente, a Axiologia, área comprometida com os valores, para a qual conhecer as virtudes é essencial, mas praticá-las é melhor que todas as qualidades.
Nestes vieses, percebe-se que, se um por um lado, a cultura da anulação eleva o anulador, por outro, rebaixa e tonifica a errada percepção do mesmo. Como fenómeno entranhado nas sociedades, dir-se-ia que é consequência da incapacidade do homem em gerenciar suas necessidades, suas influências, repletas de uma dose excessiva de mal, mantendo estreita relação com a ideia segundo a qual o homem nasce bom e o meio o perverte, nos dizeres de Rousseau (1761). Todavia, esta peca pelo facto de retirar do mesmo o poder de decidir entre o pior e o melhor que recebe ao longo da vida.
Dito de outro modo, tratar-se-ia da sobrevivência do mais apto, originário de Spencer (1864), o que suscitaria, neste contexto, indagações e a dedução de que ser apto pressupõe anular o outro, nascendo aí um autêntico absurdo.
Ademais, de tudo que se possa aventar, nada impede de identificar a problemática na esfera educativa dos sujeitos anuladores, na falsa compreensão do outro, do eu, “melhor amigo do Ego e do Ego, pior inimigo do Eu” (Bhagavad gita, IV a. C. Cit Rhoden, 2013, p. 29). É este olhar hediondo, lançado para fora, a outrem, com a intenção de vetar as possibilidades de afirmar-se como ser capaz de trilhar e experimentar determinadas oportunidades, que se radica e fomenta anulação.
Nas agências socializadoras primárias e secundárias, esta cultura vai ganhando espaço e forma múltiplas. A inveja, parasita do eu e do outro, tem desempenhado um papel sem igual, com desejo desmedido nos valores de ser e ter. Todavia, não compreendem os anuladores que, mais do que a pessoa anulada, na família, na escola, no trabalho, na igreja e em outros contextos, esta prática transcende as relações, chegando a colocar as comunidades, o país, a nação numa espécie de recuo, “às vezes no pause”, enfim, num atraso sobre o que é realmente essencial para o desenvolvimento humano e profissional: valorização do outro, dando-o aberturas para que possa ser percebido, contemplada sua grandeza, onde quer que esteja(…).
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Fernando Jamba Adelino é licenciado pela Escola Superior Pedagógica do Bié, na área da Psicologia da Educação, é Escritor, Colunista do Jornal O País, tem desde 2013 realizado pesquisas no domínio da Educação, Psicologia e Literatura, das quais resultou, até a presente data, na publicação de mais de 8 Artigos em jornais e revistas.