Quando criança, eu fui um daqueles meninos que utilizou as fisgas e foi à caça de pássaros como se fosse algo inocente e divertido.
Por sorte, os meus amigos e eu nunca conseguimos grande coisa, talvez porque quando passeássemos pela natureza ou acampávamos nela, um dos exercícios mais difíceis era distinguir um tipo de ave do outro: se fosse de dia podíamos fazê-lo pelas cores, pelas formas das caudas, da garganta ou do mento e, se fosse de noite, dependeria muito dos cantos ou sons que emitissem.
Se nos formarmos e praticarmos é possível que, depois de algum treino, de repente, possamos fazer uma coisa, outra bem e elas surjam em face de nós como um dos espectáculos mais belos que alguma vez tenhamos visto: conseguimos ver aves ali onde, antes, só distinguíamos os troncos e as copas das árvores.
Já era um adulto quando me apercebi de que existiam avistadores de aves: os meus cunhados Sonsoles Cubillo e Juan José Amador há muito que, em Ceuta, no norte de África fazem parte dos voluntários ornitológicos do Estreito de Gilbraltar, que observam a passagem estival das aves de África à Europa e vice-versa.
Observador durante anos, eles e Rosa perguntavam-me quais eram as aves predominantes em Angola. Eu não sabia o que dizer até aperceber-me da existência dos birdwatchers (avistadores de pássaros), em Angola e, particularmente, o projecto de aposta no aviturismo da Promised Land Ventures (PLV), num projecto que tem o apoio do Ministério de Cultura, Turismo e Ambiente.
No ano passado, a presença de Bornito de Sousa, Vice-Presidente da República de Angola na apresentação do livro “50 aves de Angola – Raridade e endemismo”, no Arquivo Nacional de Angola, não passou despercebida. No terreno, o trabalho sério continua: empenhados no seu labor em, pelo menos oito pontos de observação do país (Santa Amboleia, Kungila, Tundavala, Mangueiras, Talamajamba, Kumbira, Damangola e Morro Moco), os avistadores de aves com binóculos e equipamento áudio não param.
No intuito de mostrar ao mundo, soube que, a 14 de Maio deste ano, os avistadores de pássaros angolanos participaram no “Global Birding Day”: em tempo de paz, é a primeira vez que conseguiram documentar 131 espécies de aves que, presumivelmente, só existam em Angola, o que constitui um recorde.
Curioso, eu fui à Net tentar ser mais rigoroso e exaustivo, consultando outras fontes. Para começar, adorei saber o nome de umas poucas entre 940 e 1011 espécies distintas de aves que as diferentes fontes bibliográficas asseguram existir em Angola: tuta-picanço-de-garganta-amarela,estorninho-de-cauda-acuminada, tecelão-de-mento-preto, tordo-da-terra-laranja ou a garça-de-garganta-amarela são algumas delas. Se estes são os nomes em português imaginemos só quão poéticos e sugestivos poderão ser os nomes nas várias línguas nacionais!
O certo é que listas exaustivas das diferentes espécies de aves, de interesse especial, pouco conhecidas, raras ou em vias de extinção, o leitor as pode encontrar, por um lado, em livros como “Ornithologie de L`Angola” de José Vicente Barbosa de Bocage ou “Ornitologia de Angola” de António Augusto da Rosa Pinto, ambos muito difíceis de conseguir porque estão esgotados e quando aparecem exemplares em leilões de livros e de manuscritos podem atingir valores elevados.
Por outro, uma leitura de artigos científicos como o “A Avifauna de Angola: riqueza, endemismo e raridade” escrito por três autores, nomeadamente, W. Richard Dean do Instituto Fitzpatrick da Universidade de Cape Town, Martim Melo da Universidade do Porto e Michael Mills da Universidade de Jos, na Nigéria, podem permitir ao leitor ter conhecimentos básicos sobre o assunto.
Se o leitor estiver realmente interessado em saber mais sobre o assunto teria que, numa primeira fase, ler os relatórios de campo das 41 expedições de investigadores de diferentes países do mundo ao interior de Angola, entre meados do século XIX até os anos 80 do século passado e depois verificar quais as informações novedosas dos sites online, sem perder de vista o da Global Biodiversity Information Facility (GBIF).Aos investigadores falta-lhes o suporte institucional adequado, os meios e os recursos de biologia molecular para irem muito mais longe.
Enfim, fascinante é a ornitologia, essa parte da zoologia relativa às aves sobre a qual ainda temos muito que aprender. No que a nós diz respeito, de um modo geral, é tal a desproporção entre as zonas urbanizadas e as áreas virgens e desabitadas em Angola, que, vendo melhor as coisas talvez fosse bom considerarmos todo o território do país em que vivemos como um parque natural: viveríamos num paraíso ornitológico.
Fonte: JA