O estado do humor em Angola é divertido, considera em entrevista à Lusa o humorista angolano Kotingo, que vê nas características do seu país potencial para a produção de piadas, embora se abstenha de meter com os políticos.
“Não tem como ser diferente porque o próprio país em si, na vida quotidiana, oferece-nos muita matéria-prima e nós temos essa capacidade natural de, com as coisas menos boas, conseguirmos produzir piadas. E hoje, com a dimensão e acesso à Internet, nós conseguimos ver outros humoristas e isso faz de nós muito melhores”, afirma.
Kotingo, de 40 anos, considera que quando se acrescentam “outras vertentes, outras formas de fazer humor que vêm de fora” à maneira de ser angolano isso “só acrescenta e reflete” o que os humoristas angolanos fazem profissionalmente.
Embora Angola ofereça “muita matéria-prima” para fazer humor, Kotingo abstém-se de entrar no campo da política, quando questionado se é possível brincar com o MPLA ou a UNITA.
“Não é bem a minha praia. Quando se fala do limite do humor, eu não vejo limites no humor. Eu aprendi que o limite está dentro de cada pessoa. Agora, quanto a questões políticas, eu acho que é completamente diferente com o que se faz noutras partes do mundo”, responde.
“Eu não sou burro. Não sou burro. Aquilo que às vezes é chamado de `medo` ou qualquer coisa assim, eu chamo de `amor à vida`”, reforça.
Segundo Kotingo, “se existem milhares de formas de fazer humor, vários assuntos podem ser abordados. Um país se faz de várias formas e eu tenho a minha forma de contribuir para o meu país”.
Todavia, Kotingo recusa responsabilizar-se pelo que vai sentir quem ouve uma piada.
“Eu parto do princípio de que antes de sermos profissionais, somos seres humanos. Mas eu não me posso responsabilizar pelo que o outro vai sentir. Dentro de mim existe a intenção de fazer rir, que a gente se divirta, porque eu não tenho intenção de magoar quem quer que seja, mas também não sou responsável pela interpretação das outras pessoas”, alerta.
“Às vezes cobra-se inteligência da parte do humorista mas esquece-se de cobrar a quem nos ouve. Também tem que ter inteligência para conseguir perceber a piada”, adianta.
Kotingo perdeu o braço esquerdo após um grave acidente de viação em 2018, quando voltava de um espetáculo e foi submetido a múltiplas cirurgias. Nas suas atuações não tem problema em abordar a sua própria “deficiência física”.
“Eu não perdi um braço. Um braço é que me perdeu”, explica, regressando à questão dos limites do humor, e lamenta que haja cada vez mais “proibições socialmente impostas” sobre os temas com que se pode fazer humor.
“Já não me considero um humorista: Considero-me um teimoso. Por quê? Porque as sociedades vão proibindo cada vez mais. Não se pode fazer piada com nada: política não pode, religião não pode, aleijado não pode, cego não pode, gordo não pode, magro não pode, pessoas com fome não pode, com animais não pode. Não pode nada. Então se nós ainda existimos, é por teimosia”, salienta.
Quanto à forma como prepara e trabalha o seu material para os espetáculos, Kotingo considera-se “muito observador”.
“Infelizmente eu tenho que ser. Porque às vezes deixo de curtir o momento, porque estou a apontar, porque se eu não apontar esqueço. E vou testando. Tem histórias verídicas, outras que são imaginárias, mas eu faço sempre a mistura”, conta.
Não se recorda quando começou a fazer humor, mas tem consciência que tudo começou ao fazer rir amigos e familiares. “Mas eu entrei nesse mundo por causa de dinheiro. Não foi porque gosto de fazer, não. Dinheiro mesmo. O gosto veio depois”, afirma.
Agora, com mais experiência e paciência, Kotingo diz que entende “melhor o caminho” e vê-se nos próximos 10 anos como um humorista “muito conhecido, muito respeitado, muito valorizado e com muitos, muitos países felizes” com o seu trabalho.
“Eu acho que aquilo que nós temos de bom, enquanto seres humanos, o mundo deve ter acesso, o mundo deve conhecer, e o meu conteúdo, acredito que é bom para as pessoas. E aquilo que é bom, não deve ser guardado. Então, acredito que quanto mais corpo eu ganhar, artisticamente falando, mais pessoas vão ser curadas”, conclui.
Natural de Benguela, Edgar Simone Tchipoia tornou-se Kotingo quando começou a imitar, por brincadeira, o sotaque de um homem com esse nome e que trabalhava numa das obras do pai.
O gozo que provocava na imitação levou a que Kotingo passasse a ser tratado como tal.
Kotingo apresenta-se em Lisboa, no emblemático B.Leza, e Cacém nos próximos dias 22 de abril e 05 de maio, respetivamente, com o espetáculo “Só Vou Pôr A Cabeça”, um solo em que aborda vários temas relacionados com a sua vida.
Fonte: Lusa