Os Estragos causados pela imitação da voz

0
22
Manuel Vieira é jornalista e uma das vozes mais conhecidas e respeitadas da Comunicação Social Angolana. Foto: DR
- Publicidade -


Quando o talento não é natural, a tendência de muitas pessoas que desejam ascender na vida pessoal e profissional tem sido recorrer à imitação. Deste modo, nem tudo deve ser replicado, especialmente quando se trata da voz.

Escrevo este artigo após uma conversa franca com o jornalista e apresentador do programa Kais FM, da Rádio Ecclésia, Bernardo Mário. Ele possui uma voz impressionante, com todos os elementos bem projectados, sendo capaz de articular em várias tonalidades com uma naturalidade impressionante.

Há uma quantidade considerável de profissionais que dependem da voz para exercer a sua actividade, nomeadamente professores, cantores, actores, locutores, operadores de telemarketing, jornalistas, políticos, advogados, mestres de cerimónias, profissionais de saúde, agentes comunitários, pastores, padres, entre outros.

Nos bastidores, conversamos sobre os problemas de saúde que muitos jornalistas angolanos das gerações de 1980, 1990 e 2000 poderão enfrentar — especialmente aqueles que usam a voz de forma constante como ferramenta de trabalho, como radialistas e apresentadores de televisão. Muitos deles correm o risco de desenvolver patologias graves.

É verdade que autores como Piaget, Bandura, Vygotsky, Wallon, entre outros, abordaram com profundidade o processo de aprendizagem por imitação como um mecanismo importante no desenvolvimento humano, especialmente na infância.

Contudo, após a fase de crescimento, nem todos conseguem alcançar autonomia na construção do conhecimento e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. Por isso, embora muitos hoje façam sucesso imitando as vozes de profissionais consagrados — como Ernesto Bartolomeu, Vaz Kinguri, Mário Vaz, Manuel Vieira, Agostinho Gayeta, Bernardo Mário, Manuel Augusto, Manuel Luamba, Agostinho Kayola, António Festos, entre outros —, é provável que enfrentem consequências físicas, emocionais, sociais e profissionais.

Sabemos que a voz é produzida pela vibração das cordas vocais, que são delicadas e sensíveis ao uso excessivo ou inadequado. O esforço constante para reproduzir uma entonação, timbre ou ressonância diferente da voz natural pode causar tensão muscular crónica.

Além disso, o uso indevido da voz pode levar à formação de nódulos nas cordas vocais — lesões benignas provocadas por esforço repetitivo. Alterações como a disfonia (mudanças na qualidade vocal) podem provocar rouquidão, fadiga vocal, cansaço ao falar e até perda parcial da voz.

A fadiga vocal se manifesta como uma sensação de cansaço ou dor ao falar por longos períodos. Foi nesse ponto que apresentei ao Bernardo Mário a seguinte tese: a sua voz, que se mantém praticamente inalterável após 17 anos de carreira radiofónica, desenvolveu resistência e naturalidade. Já o imitador dessa voz pode até alcançar um sucesso momentâneo, mas corre o risco de desenvolver problemas graves — inclusive cancros que, em casos extremos, podem ser fatais.

Do ponto de vista psicológico, há também impactos emocionais. Esses indivíduos sentem, muitas vezes, a necessidade constante de se passar por outra pessoa ou personagem, como ocorre no teatro ou no cinema.

Entre as possíveis consequências estão a dissociação da identidade vocal, estresse, ansiedade e baixa autoestima — especialmente quando a figura imitada ainda está viva e profissionalmente activa.

É aquilo que chamamos de “máscara vocal” e cria uma redução da autoconfiança e desgaste emocional, pois uma voz forçada afecta a clareza e a autenticidade na comunicação.

Uma das recomendações que temos estado a dar aos nossos formandos, além da hidratação, dormir bem, evitar o uso excessivo da voz, factores irritantes como fumar e consumo de bebidas alcoólicas, é a consciencialização dos trabalhadores da voz no sentido de repousarem na fala sempre que necessário.
_______
FERNANDO GUELENGUE | Com mais de 15 anos de experiência a ajudar líderes, empreendedores e profissionais a dominarem a arte da Oralidade Africana e do Jornalismo, Fernando Guelengue é especialista em Oratória de Alta Performance e Apresentações Poderosas que transformam oradores comuns em comunicadores extraordinários.

Fundador e CEO da SELUTU, tem domínio aprofundado em Psicologia e é pesquisador pela Associação Científica de Angola.

Está a frequentar o Mestrado em Administração e Direcção de Empresas pela ENEB e é jornalista com mais de uma década e meio dedicada ao Sector da Comunicação Social em Angola, Portugal e Brasil.

Deixe o seu comentário
Artigo anteriorFestiSumbe deu visibilidade e recursos aos empreendedores locais
Próximo artigo2025: Africell Luanda Feira de Arte regressa com convidados africanos

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui