O presente artigo resulta da reflexão sobre os acontecimentos que temos seguido relacionados com os constantes atropelos à liberdades fundamentais em geral e à liberdade de imprensa em particular, numa altura em que o País se prepara para a realização das eleições gerais já que, as autárquicas, deixaram de fazer parte da agenda.
O mandato do presidente João Lourenço iniciou com uma abertura para com os meios de comunicação social ao desatar o “kafrique” com que o antigo inquilino do Palácio da Cidade Alta, José Eduardo dos Santos, sufocava a classe ao longo dos seus 38 anos de poder absoluto.
Naquela altura, no último trimestre de 2017 e primeiros de 2018, vários fazedores de opinião mostraram-se optimistas em relação ao possível avanço na liberdade de imprensa e de expressão para os anos seguintes. Até jornalistas de mais de três décadas de tarimba e de investigação vergaram a lupa e o faro jornalístico em função do charme que o perfume da Cidade Alta tentou passar.
Porém, costuma se dizer que “contra factos não há argumentos” e “factos não mentem”. Em pouco tempo verificou-se a degradação governativa, o aumento do desemprego, do fraco combate à corrupção, das crises económicas e financeiras, bem como o regresso das contestações públicas de activistas e cidadãos. E mostram o elevado número de ameaças, espancamentos, perseguições e detenções contra jornalistas que têm estado a realizar as coberturas de tais acções, marcando assim o reinício do pesadelo que durou cerca de 4 décadas da governação do partido no poder.
Com esses factos, toda a abertura do executivo de JLO com a Media foi cano abaixo. Outro acontecimento perigoso, é o monopólio da comunicação social que se verificou com o confisco da Palanca TV e todos os órgãos da Media Nova (TV Zimbo, Rádio Mais e Jornal O País). Com isso, intensificou-se ainda mais a certeza de que ainda teremos cenários difíceis no próximo ano, com a aproximação da campanha eleitoral.
Os factos registaram na efémera história do nosso jornalismo, o julgamento de Mariano Brás, do jornal O Crime; a detenção de Agostinho Kayola e Jorge Mendes Manuel, ambos da Rádio Despertar; o espancamento de Gonçalves Vieira, igualmente da Rádio Despertar; a prisão de Suely de Melo, Carlos Tomé, Santos Samuesseca e de Leonardo Faustino, todos da Rádio Essencial e do jornal Valor Económico, libertos depois sem qualquer medida de coacção.
Nos últimos dias, fomos de novo surpreendidos com a notícia que deixou todos chocados. Aconteceu na última sexta-feira, 23, quando o jornalista e director-fundador do jornal Chela Press, Francisco Rasgado, foi detido por ordem do Tribunal de Comarca de Benguela, na sequência de um processo-crime intentado pelo antigo governador daquela província, Rui Falcão Pinto de Andrade. Se o nosso colega for julgado e condenado à margem da lei por causa de um político, não será novidade nenhuma, mas deverá ser mais um dos motivos para repensarmos na letargia das nossas acções enquanto classe jornalística, sempre que um dos nossos é colocado no calabouço.
Tal como fiz referência nos meus artigos anteriores, o jornalismo é uma profissão que tem a responsabilidade de acompanhar todos os fenómenos sociais do País. O jornalista, enquanto profissional de imprensa e cidadão preocupado com o modo como o país está a caminhar, deve emitir uma opinião livre sobre os atropelos que temos estado a constatar contra a dignidade dos escribas. Tais atropelos acabam por alimentar o medo dos cidadãos.
Em declarações ao programa radiofónico «Conversas Entrecruzadas», do jornalista João de Almeida, da emissora MFM, neste sábado, 24, o secretário do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, lamentou a forma como a liberdade de imprensa está a ser levada e solicitou a todos os jornalistas e cidadãos a usarem os seus poderes de influência para exigir a liberdade do jornalista.
Quando fui detido pela Polícia Nacional, fazia a cobertura da manifestação de 24 de Outubro de 2020, em Luanda. Dezena de jornalistas e boa parte de cidadãos conscientes manifestaram a sua solidariedade com denúncias que pressionaram as autoridades para que fosse restituído à liberdade com os meus meios de trabalho.
Os vários artigos publicados nos veículos de comunicação social angolano e estrangeiros sobre a minha detenção e a violação da liberdade de imprensa, deram outro ar ao cenário e é desta forma que jornalistas e cidadãos influentes, como afirmou Teixeira Cândido, devem exercer pressão para a verdadeira construção de uma sociedade livre, justa, democrática, de paz, igualdade e progresso social no sentido de se alcançar a consolidação do Estado Democrático de Direito que o artigo 1.º da Constituição da República estabelece.
Já o artigo 5.º da Lei nº. 7/06 de 15 de Maio estabelece que a liberdade de imprensa traduz-se no direito de informar, de se informar e ser informado através do livre exercício da actividade de imprensa e de empresa, sem impedimentos nem discriminações. E acrescenta no seu ponto dois que, a mesma, liberdade, não deve estar sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.
A lição que estamos a aprender com esses ataques aos jornalistas é a de que tudo o que vimos e ouvimos sobre uma possível intenção de se reformar o País e combater os que delapidaram o erário público é, na verdade, mera peça de teatro.
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Jornalista, antigo editor do Semanário Agora, CEO e Fundador do Portal de Notícias Culturais Marimba Selutu, colaborador do Portal de Notícias Por dentro da África, Autor, Palestrante, Formado em Psicologia e Membro Fundador da Associação Científica de Angola.