Há quatro anos que João Marcos desempenha a função de jornalista-correspondente do semanário Novo Jornal na “terra das acácias rubras”, na província de Benguela, sua terra natal, onde nasceu e desenvolveu o sonho de ser jornalista.
Comprometido com a causa do jornalismo, o profissional arrecadou dois prémios nos últimos anos e entende que, apesar de haver entraves das fontes oficiais de informação na sua jurisdição, tem feito um trabalho investigativo para contrapor tais obstáculos.
Foi o vencedor da segunda edição do Grande Prémio Catoca de Jornalismo 2024, levando para casa um certificado e uma quantia monetária de 5 milhões de kwanzas, valor que o jornalista revelou onde será efectivamente canalizado.
Os “sinais de ameaça à segurança alimentar em Angola chegam de um vizinho” foi premiado na segunda edição do Prémio Catoca de Jornalismo. O que esta distinção representa para si?
Este prémio significa o reconhecimento do meu trabalho, de um árduo trabalho, julgo. Significa ainda que é preciso continuar a trabalhar com vontade e afinco, porque as responsabilidades estão sempre em alta.
Como soube que o seu trabalho estava a ser avaliado para aquela edição da empresa mineira angolana?
Apresentei a minha candidatura, como fizeram mais de 100 colegas pelo país.
Há casos em que as redacções centrais solicitam aos jornalistas para abordagem alguns temas locais com a devida profundidade. Foi o caso deste seu trabalho?
Há sim, mas não foi o caso. Achei um assunto bastante pertinente e avancei.
A segurança alimentar continua a ganhar peso na agenda da política mundial muito por conta da tensão Rússia/Ucrânia, dois dos maiores produtores/distribuidores de grãos pelo mundo
Então, como surgiu o interesse para abordar o tema que deu origem ao prémio?
A segurança alimentar continua a ganhar peso na agenda da política mundial muito por conta da tensão Rússia/Ucrânia, dois dos maiores produtores/distribuidores de grãos pelo mundo. Angola está com muitos problemas no capítulo da luta pela segurança alimentar.
Quer explicar melhor?
Há muitos entraves naquilo que é o processo produtivo, o défice é grande em matéria de cereais e outros produtos. Neste momento, os comerciantes da República Democrática do Congo financiam pequenos produtores e levam tudo para o seu país. É algo problemático. As famílias camponesas precisam de incentivos, a banca angolana exige muito. Por exemplo, os títulos de concessão de terra está difícil.
No ano passado, um dos seus trabalhos do Novo Jornal também foi objecto de análise do prémio provincial de jornalismo. Pode falar mais sobre o mesmo?
Foi vencedor o trabalho em que falei de uma localidade da Babaera, no município da Ganda, província de Benguela. Esta zona é rica em madeira, produto que é exportado fundamentalmente para a Ásia, mas não se observam acções de responsabilidade social na zona. As empresas que exploram e não investem no social ou na localidade em causa, são pobres. Sem água potável, electricidade, vias de acesso… São estes o paradoxo.
Tenho dito que devemos ir à luta, também pela liberdade de imprensa, nada nos vai ser oferecido, devemos conquistar
Na sua opinião, quais são os desafios actuais que os jornalistas regionais têm estado a enfrentar?
Talvez não fujam muito do geral: continua a problemática de acesso às fontes (oficiais). Mas tenho dito que devemos ir à luta, também pela liberdade de imprensa, nada nos vai ser oferecido, devemos conquistar. Há também o problema das dificuldades de meios de trabalho
Há mais valorização da profissão ou apenas estamos a enfrentar um momento de prémios que cobrem a verdadeira realidade social dos jornalistas?
Claro que o jornalismo em Angola deve ser mais valorizado. Lá está, nós devemos fazer mais, temos de ser os primeiros a valorizar o nosso trabalho. De que forma? Trabalhando com rigor, seriedade e não banalizar a actividade. Rigor significa investigar, resumindo. Trazer factos que obriguem os decisores políticos a mudarem de consciência, a terem mais rigor é também “obrigarem” os gestores a terem noção de boa governação e transparência. Tudo em nome de uma causa comum: a causa do país, a causa da justiça social.
É preciso consultar mais os documentos oficiais, assim como o Diário da República. É preciso recuar e pesquisar o que um dirigente disse nos anos anteriores sobre um determinado assunto.
E como tem enfrentado a problemática do acesso às fontes de informação?
Procuro “furar” e não ficar na choradeira. É preciso consultar mais os documentos oficiais, assim como o Diário da República. É preciso recuar e pesquisar o que um dirigente disse nos anos anteriores sobre um determinado assunto. Às vezes abordamos um assunto, pretendemos a reacção de um governante e ele não quer falar. Acontece que, sobre este mesmo tema, ele já tinha falado há um ou dois anos. Aí recuamos no que disse no passado e damos o devido tratamento.
Há algum projecto para desenvolver com os recursos arrecados neste prémio ou irá reforçar a melhoria das suas condições sociais? Basicamente canalizarei à uma obra de auto-construção dirigida.
Quando e onde começou a sua paixão pelo jornalismo?
Comecei, diria, aí aos quinze anos e depois reforcei no ensino médio. Tão logo terminei o médio, comecei a estagiar na Rádio Morena Comercial, em Benguela.
Quem foram os seus principais influenciadores para se tornar jornalista? Influenciadores como tais nunca tive. Admiro vários “kotas” do nosso jornalismo, especialmente Reginaldo Silva, Severino Carlos, Jaime Azulay e Amílcar Xavier. São muitos, particularmente os da nossa geração actual de jornalistas.
Quem é João Marcos?
Risos. É difícil fazermos uma auto-avaliação. Julgo ser um cidadão de trato fácil, um jornalista comprometido com o bom jornalismo e com a indústria. Sou natural de Benguela, casado e pai de quatro filhos.