O Duelo dos Dois Medíocres – Guigo Ribeiro

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Dois medíocres se encontraram para, em um duelo de armas, decidirem o menos medíocre. Foto: Guigo Ribeiro
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Num cenário de faroeste, dois medíocres se encontraram para, em um duelo de armas, decidirem o menos medíocre. A plateia se ajeita, apresentando picos de euforia, orgasmos e ansiedade pela bala que, enfim, definiria o vencedor.

Ambos prontos, distância determinada pelos filmes (única referência possível no momento), armas em punho e a vez via cara ou coroa. O Segundo Medíocre teve as honras.

Segundo Medíocre – minha arma, recurso único presente para problemas complexos ou não, decidirá meu lugar na mediocridade. A eficácia do tiro determina algum grau a mais ou menos em meu ranking?

O Primeiro Medíocre ficou confuso. Ficava confuso ao se deparar com problemas complexos ou não cuja a arma não respondia.

Primeiro Medíocre – Não lembro das regras. As palavras me embaralham. E se coloco qualquer grau de sofisticação no discurso é porque o roteirista, em mim, empregou algum esforço.

Segundo Medíocre – Pois quem ganhar, bota a regra que quiser. E não se fala mais.

Meteu a bala na direção da cabeça do Primeiro Medíocre, que desviou no susto e recebeu enorme vaia da plateia, o classificando de fraco. O Primeiro Medíocre, reivindicando sua vez, iniciou a preparação, mostrando relativa habilidade com o objeto. Girou, assoprou tal qual vela de ano e mandou o projetil, que passou longe do alvo, apesar de ter cumprido a função de manter a plateia atenta.

Segundo Medíocre – Isso que fez, faço bebendo leite.
Recebeu aplausos.

Primeiro Medíocre – Eu, comendo osso.
Recebeu aplausos.

Segundo Medíocre – Vísceras…
Recebeu aplausos.

Primeiro Medíocre – Almas.
Partiram para a próxima rodada, não sem tentar definir pontos extras.

Primeiro Medíocre – Se agonizar durante muito tempo ganha ponto?
Segundo Medíocre – Resistência! A gente resiste. Desde os primórdios. Desde a primeira guerra ganha e cabaço conquistado.

Meteram balas um no outro sem acertar. Cada um na sua vez. Depois juntos, ao mesmo tempo. Balas que iam longe. Balas que resultavam em vaias. Meteram balas até o fim da munição e a enorme vaia da plateia.

Segundo Medíocre – Vi que fez qualquer coisa que nem se compara à mínima minha.
Primeiro Medíocre –  Nunca! Toda e qualquer coisas que faço é evento, transformação da rotação da terra.

Apertavam os gatilhos vazios à toa. Não sabiam de números, mas tinha fé. Fé numa bala que a arma insistia em esconder.

Mediante ao esgotamento da arma como recurso, acharam por bem convidar a plateia às próprias mediocridades, detalhando tópicos que os faziam grandes em suas férteis imaginações. Tentativa de fazer da própria elevação meio de vitória. Elevação para uma plateia variada: uns concordavam, outros não, outros bocejavam e tinha os que pediam sangue.

Primeiro Medíocre – Essa disputa está ganha. Afinal, quem atirou primeiro e errou, deixa claro não estar apto à pressão e resolução prática e objetiva das coisas.

A plateia aplaudiu.

Segundo Medíocre – Errei pra te dar uma chance de me ver agir de novo e para ver sua incompetência posta à prova. Aos meus pés, nem se fosse sola.

A plateia aplaudiu.

Mantiveram a discussão em tentativa de conquistar o prêmio. A argumentação mantinha-se pouco elaborada, beirando um debate infantil. Atributos físicos, hipervalorização de técnica, relações e proximidades, além da cor dos olhos, determinando origem:

Primeiro Medíocre – Ariano!
Segundo Medíocre – Você? Eu que sou!

Na impossibilidade, uma certeza: dali não sairiam. E não saíram, até da plateia surgir a solução da disputa. Um sujeito, atravessando a massa faminta, gritava a saída encontrada para o problema. Era o Terceiro Medíocre:

Terceiro Medíocre – Com licença. Muito prazer. Sou o Terceiro Medíocre. Desculpem a intromissão, mas conheço bem suas razões. É que queremos a resolução e, para tal, venho desempatar a disputa, acrescentando dinamismo nessa água parada. Permissão para apresentar o próximo tópico de definição…

Primeiro Medíocre e Segundo Medíocre se olharam satisfeitos e atacaram o Terceiro Medíocre, o devastando. Suas roupas viraram poeira. O corpo foi cortado em diversas partes. Braços e pernas, devorados pelos dentes afiados, que brindavam vencedores.

Primeiro Medíocre – Mais um prêmio em minha vasta galeria…
Segundo Medíocre – Se as balas não tivesse acabado…
Primeiro Medíocre – Essa perna estaria mais saborosa com o molho que faço…
Segundo Medíocre – Que nem se compara ao meu.

Se abraçam, entupidos pela mesa farta. A plateia festeja.

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Guigo Ribeiro
Guigo Ribeiro é um artista brasileiro fazedor de literatura, música e teatro que tem estado a liderar e apoiar pessoas com deficiência através da ptrática de teatro com o grupo Museatro.

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