Em companhia de Egna Alegre de Sousa, Fátima Moniz, escritora, diplomata e defensora do empoderamento feminino em Angola, foi recentemente agraciada com o título de “Doutor Honoris Causa” pela Academia de Ciências e Letras de Espanha, em reconhecimento pelo seu trabalho literário e projectos humanitários que tem promovido a criatividade e a esperança entre crianças e mulheres de Angola, no geral e de Benguela, em particular.
Ao longo da sua carreira, Fátima Moniz tem se destacado pelas suas iniciativas de inclusão social e pelo seu papel fundamental na promoção da literatura como ferramenta de transformação.
Nesta entrevista, ela partilha detalhes sobre os meandros da sua trajectória, os projectos que lhe renderam o prémio internacional, e as suas perspectivas sobre o poder da arte e da educação na construção de um futuro melhor para a sociedade.
Após receber o diploma, a escritora expressou que o prémio altruísmo ressoa profundamente na sua missão, representando o espírito de compaixão e solidariedade que deve guiar todos aqueles que actuam em prol do bem-estar das comunidades e defendeu: “vamos aproveitar as nossas energias criativas para promover a compreensão, curar feridas e construir pontes que nos conectam a todos.”
Fernando Guelengue | ANGOLA
Na segunda quinzena de Dezembro do ano passado (2024) foi reconhecida em Espanha com o título “Doutor Honoris Causa” pelo seu trabalho literário que promove a força feminina, a criatividade e a esperança nas crinaças e mulheres. Pode contar-nos mais sobre essa iniciativa internacional?
A Câmara Internacional de Escritores e Artistas – CIESART, uma Instituição com sede em três Países, Espanha, Peru e Suíça, levou a cabo um Congresso Mundial entre os dias 14 e 16 de Dezembro de 2024. Nesta ocasião, entregou vários prémios e Angola ganhou dois prémios Doutor Honoris Causa, num universo de mais de mil concorrentes, com perfis semelhantes, com a diferença de sermos as únicas concorrentes africanas.
De notar que esta iniciativa da CIESART, se enquadra na extensão da Organização a nível do mundo e Honoris Causa é atribuída a personalidades eminentes, nacionais ou estrangeiras, que se tenham distinguido nas actividades académica, científica, profissional, cultural, artística, cívica ou política e outras que tenham prestado altos serviços a Academia, ao país ou a humanidade.
Eu era ainda estudante do Ensino Médio, INE de Benguela, e assumia a presidência da organização.
Pode dar-nos mais detalhes sobre os trabalhos que originaram essa distinção pela Academia de Ciências e Letras de Espanha?
Recebemos este prémio Doutor Honoris Causa pelos trabalhos humanitários, de altruísmo desenvolvido ao longo de 30 anos. Começamos na cidade de Benguela, em 1992, levando leite, bolacha as crianças hospitalizadas na Pediatria do então Hospital de Benguela e fazendo o ‘piô piô’, brincadeiras e outras traquinices com as crianças. Fundei uma organização não-governamental que se chamava S.O.S- Piô- Amigos da Criança, com a Alice Filomena Airosa Raposo e Figueiredo Costa. Eu era ainda estudante do Ensino Médio, INE de Benguela, e assumia a presidência da organização.
E esse trabalho parou depois de terminares o ensino médio em Benguela?Não. Continuamos a trabalhar com crianças, oferecendo de coração alguns lanches, enxoval ao bebé no dia dos nossos aniversários, sem muita publicidade, o que fez a diferença na vida de outrem. Mais recentemente, há 5 anos, temos alinhado a poesia e a descoberta do belo nas crianças e adolescentes.
Como e quando surgiu a iniciativa de edição da Antologia que eleva o legado de união e empoderamento feminino?
A iniciativa da nossa inserção em duas edições da Antologia originou do Encontro de Poetas de Língua Portuguesa, que participamos com a brasileira Mariza Sorriso, nossa mentora. Nessa Antologia foi possível a participação de muitos angolanos, caboverdianos, santomenses, moçambicanos, guineenses, portugueses e brasileiros. Foi nestes encontros que fomos interagindo e aumentando o nosso leque de contactos e amizades. Um agradecimento especial à Dra Mariza Sorriso, do Rio de Janeiro – Brasil.
E o que se pode acrescentar em relação ao vossos trabalhos nestes projectos mencionados?
Numa dessas Antologias, a Poeta Zé D’Ana escreveu um poema motivacional com o título “Avança Mulher” e eu fiz a interpretação do poema, tendo em conta o contexto da luta da participação das mulheres na vida política, social e cívica, ela desafiou-nos a criarmos histórias de Mulheres Angolanas em poemas, crónicas e desabafos. Reunimos com a Ministra da Família e Promoção da Mulher para apresentar o nosso projecto e a governante abraçou a ideia e fomos convidando várias outras sensibilidades da sociedade a entrar nesse desafio.
Neste momento estamos a trabalhar com uma editora brasileira e já constituímos uma boa equipa e esperamos brevemente contar com a Antologia “Avança Mulher” no mercado.
Quais são os seus principais trabalhos individuais que lhe deram a relevância para esta distinção internacional?
Tenho trabalhado e adoro essa actividade de conferencista e até porque sou professora de carreira, tenho a dizer que é o momento que estou em sala de aulas. O meu Professor Doutor Maciel dos Santos, no primeiro Mestrado de Angola em Ensino de História em 2006, dado pelo ISCED – Luanda, próximo ao Mutu-Ya-Kavela, convidou-me a estar no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Desde então fizemos uma amizade e nos dois últimos anos tenho ido ao Porto, Portugal.
Fizemos também “Uma Acácia para Alda Lara” todos os anos em Janeiro na Marginal de Luanda com crianças e adolescentes – esta é a nossa Mascote.
Como e quando foi criado o projecto Oficina de Poesia para Crianças e adolescentes?
A Oficinas de Poesia na Mutu-ya-Kevela na altura das férias, com piano e aulas de flores aos mais pequeninos, visa mostrar as flores e falar delas com as crianças e adolescentes. Fizemos também “Uma Acácia para Alda Lara” todos os anos em Janeiro na Marginal de Luanda com crianças e adolescentes – esta é a nossa Mascote.
Tudo isso foi mostrado no Congresso Mundial do México e muitos estrangeiros ficaram comovidos e ligaram para várias pessoas sobre o nosso trabalho. Como se trata de actividades altruístas, fomos contemplados com ‘Doutor Honoris Causa’, na classe Humanista. Isso nos alegrou e agradecemos a todos que contribuíram para a nossa deslocação a Espanha, especialmente ao meu Ministro Téte António, em nome do Governo de Angola.
Qual tem sido a participação da União dos Escritores Angolanos neste projecto?
A União dos Escritores Angolanos (UEA), mais propriamente com o Dr. David Capelenguela, que é o digno Secretário Geral da UEA, temos boa comunicação, até porque estamos juntos nas diferentes Antologias da Dra. Mariza Sorriso e sempre que frequentamos um curso comunicamos que faremos em parceria, pois nos nossos diplomas constam a chancela da UEA.
Sabemos que tem sido frequentemente convidada a ministrar conferências no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Quais têm sido os principais assuntos que apresenta nestes eventos ecadémicos?
Falo dos temas abordados no meu Livro, intitulado “A Participação da Tanzânia na Independência de Angola”. Outros remas de História, da Luta de Libertação Nacional até a nossa independência a 11 de Novembro de 1975. Vamos completar 50 anos e este é um momento muito especial.
Das ciências políticas à literatura. Pode relevar-nos mais como ocorre essa combinação estratégica e cultural?
Todo Professor gosta de ler, deve ler, tem de ler. Fui professora de Língua Portuguesa na escola do IIº Nível 10 de Fevereiro, em Benguela, trabalhei como coordenadora da disciplina de História no Liceu de Benguela, ministrei aulas de Língua Portuguesa no Makarenko, em Luanda, e também dei aulas de Língua Portuguesa e História de Angola, no Instituto Superior de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, tendo passado igualmente pela Rádio e TPA, em Benguela.
Chegou a publicar algum livro de sua autoria em Angola ou no exterior?
Estou sempre ligada as letras. Depois de concluir o meu segundo mestrado no Brasil, publiquei a mesma obra, tendo passado para poesia a convite da brasileira Mariza Sorriso, que motivou-nos e incentivou-nos (risos).
A União dos Escritores Angolanos é exactamente o palco de uma relativa autonomia em relação ao controlo pela parte do Estado
Já foi convidada pela Academia Angolana de Letras ou pela União dos Escitores de Angola?
Já entregamos a proposta para a nossa adesão a Membros da União dos Escritores Angolanos e estamos a aguardar. Pois como é lema da União, “fortalecer os laços com a literatura e as artes de todos os povos”. A União dos Escritores Angolanos é exactamente o palco de uma relativa autonomia em relação ao controlo pela parte do Estado, constituindo-se numa instituição realmente independente de produção e publicação literária. Neste mês da Cultura Nacional, reafirmamos de que a UEA foi fundamental no desenvolvimento cultural em Angola, tendo liderado o esforço de reestruturação do campo literário, tornando-se numa organização dirigida por intelectuais.
A nível internacional, a escritora é cadeira 510 da Academia de Ciências e Letras do Brasil (ACILBRAS). O que lhe oferece comentar?
A ACILBRAS tem a sede em Volta Redonda no Rio de Janeiro e congrega várias sensibilidades entre Vereadores, Políticos, Professores Universitários que gostam e se dedicam a Cultura. Enquanto trabalhei no Consulado de Angola no Rio de Janeiro, fui participando em vários encontros culturais, quer dando palestras sobre Angola, quer representando o Cônsul Geral Rosário de Ceita em eventos culturais. Assim nestes encontros fui convidada pela Dra. Celeste Lucindo e Bia Nunes para fazer parte da Academia de Ciências e Letras do Brasil e sou Cadeira 510. Depois convidei mais 10 angolanos e agora em Março de 2025 vamos integrar mais 10 angolanos. Eu sou a representante da ACILBRAS em Angola.
Quais os projectos que teremos para os próximos anos?
Muitos projectos em carteira, mas no off, estou a estabelecer contactos….mas como dica de algibeira é uma tarde de poesia, com angolanos e congoleses em Paris para 2025….levando uma rosa ou acácia, cerramos fileiras para as Bodas de Ouro de Angola.
PERFIL
Fátima Moniz é pseudónimo de Maria Fátima Glória Moniz Manuel, filha de Elizete de Castro, do Hospital Central de Benguela e do enfermeiro Ricardo José Moniz.
Nasceu a 24 de Março de 1969, no Rangel, em Luanda, mas foi para a província de Benguela desde tenra idade. É mãe da Rudnaura, Jaira, Breynner e Elizete e tem duas netas, a Penélope e a Yaneles. Adora viajar e dançar.
É Mestre em Ciência Política pela Universidade Cândido Mendes do Brasil e licenciada pelo ISCED-Benguela, na opção de História.
Por nove anos (de 2011 a 2019) trabalhou como Agente Consular no Consulado de Angola no Rio de Janeiro, Brasil. Tem ministrado várias conferências regulares no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Portugal.
Na sua experiência cultural tem trabalhado na organização anual da Oficina de Poesia para Crianças e Adolescentes com a chancela da União dos Escritores Angolanos, bem como o Encontro de Poetas da CPLP e do Mirex.
Além de ser cadeira 510 da Academia de Ciências e Letras do Brasil, agora junta ao seu leque de reconhecimento o Prémio ‘Doutor Honoris Causa’ pela Academia de Ciências e Letras de Espanha.