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No dia da comemoração do 31º aniversário da celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Marimba Selutu divulga a entrevista com Miguel Neto.

O renomado radialista e escritor angolano tem enorme preocupação com o legado do músico angolano Luís Visconde, autor das emblemáticas e eternizadas músicas “Chofer de Praça” e “Mini Saia” e lamentou o facto das instituições angolanas não darem o tratamento adequado à pesquisa e ao trabalho sobre o ‘mítico’ artista.

Ao longo da entrevista em que o pesquisador cultural Miguel Neto mencionou o facto da vida e obra deste cantor não se esgotar nas pouco mais de 300 páginas de um livro biográfico intitulado “”Meio Século Sem o Carismático Luís Visconde – um artista com uma carreira meteórica”, apresentou a sua compreensão sobre o mercado do livro em Angola e a forma como os angolanos olham para a cultura da leitura.

Frases como: “Nenhum país do mundo se desenvolve com livros caros e falta de hábitos de leitura”, “A leitura foi de férias e não sei quando vai voltar” e “Merecemos estar também na boca do mundo pelas melhores razões”, são destaques na fala deste jornalista angolano.

Se estivesse em vida, o carismático músico Luís Visconde teria 83 anos, dos quais, 57 estariam dedicamos à música. Como avalia a contribuição deste artista à cultura angolana?
Do ponto de vista artístico, Luís Visconde era completo, porque não apenas compunha e interpretava seus temas, como também tinha um intelecto de se tirar o chapéu. Ele ultrapassava os limites de um simples cantor.
A contribuição de Visconde naquela altura, ia para lá do normal, pois a sua abordagem (mesmo em palco) continha muitos aspectos que se aproximavam do interesse pela Independência de Angola. Aliás, “Chofer de Praça” é isso mesmo; uma música não apenas informativa, relativamente à época, de cariz motivador e intervenção social, sobretudo para todos os angolanos que viviam em bairros de lata (musseques). Repare que o colono também gostava.

Sabemos que fez um trabalho de investigação que foi transformado em livro e já se encontra publicado desde 2018. Quais foram as principais motivações para a pesquisa do tema e do artista?
Bem, tudo começou quando durante um percurso de casa para o local de serviço escutei atentamente cada palavra dessa música “Chofer de Praça” que, além da imensa saudade que senti pelo cantor percebi que, de tão mágica que era, ainda consegue tocar em rádios, sem que haja pedidos. Ela foi magistralmente composta para sempre.

Tivemos a percepção de que muita informação para a redacção do livro foi encontrada em Lisboa. Quais os principais conteúdos encontrados em Angola?
Nãoooo. Muito pelo contrário. O maior conteúdo encontrei aqui mesmo na banda, isto é, apenas  3% a 7% descobri em Portugal e graças à pessoa que me levou até à senhora que se casou com o artista.
Em Angola tive a oportunidade de falar com Inó Gonçalves (por sinal, já falecido), Carlos Lamartine, Novato de Fontes Pereira, Paulino Pinheiro, Xabanu, Joaquim Dinis, Dionísio Rocha, etc, etc, bem como muitas outras pessoas anónimas que o conheceram bem. Não foi fácil reuni-los e retirar deles esses factos achados importantíssimos para o presente livro biográfico. Já agora, aproveito para agradecer a todos, por esse ensejo.

Há até quem achasse que deveria fazer um segundo volume porquanto uma ou outra coisa dele ficou de fora, o que é muito normal.

Quais os locais e pessoas foram relevantes para a pesquisa desta obra?
Todas elas foram importantes e nenhum mais (ou menos) do que outro, porque cada um deles contou o que sabia sobre o artista, com a devida emoção. Por exemplo, no presente formato digital, eu já incluo algumas conclusões, porém, saídas das interrogações que algumas pessoas fizeram aquando do fim de cada leitura. Há até quem achasse que deveria fazer um segundo volume porquanto uma ou outra coisa dele ficou de fora, o que é muito normal. Entenda que o legado de Luís Visconde não se esgota em pouco mais de 300 páginas.

Quando ouvimos os sucessos deste artista, fundamentalmente a música “Chofer de Praça”, podemos dizer que ela congrega as gerações X, Y, Z e Alfa?
Óbvio! Tratam-se de propriedades intelectuais à altura de uma figura ímpar como era ele, e naquele tempo que muitos angolanos viviam ainda vicissitudes. Lamento haver apenas duas músicas; “Chofer de Praça” e “Mini Saia”, onde cada um de nós pode hoje testemunhar o que muitas vezes tenho transmitido no meu programa BATUKE, na Rádio Mais (99.1), com emissão ao domingo das 08:00 às 12:30. Quanto ao congregar as gerações do século XX e XXI, reforço que qualquer uma delas é agradavelmente audível em qualquer momento da vida. E para quem o conheceu bem, ainda melhor!

Passaram seis anos desde que lançou esse trabalho de pesquisa em Portugal. Já foi lançado em Angola?
É verdade! Tudo se fez para que isso fosse possível em Angola, mas não passei dessa intenção. A diferença é que na “Tuga” foi tudo mais fácil porque uma editora acreditou em mim e logo decidiu lançá-lo. Fiquei perplexo quando a dona Conceição lembrou-se de ter assistido uma actuação de Luís Visconde no Marítimo da Ilha, em Luanda. Tanto que ela não pestanejou ao ter dito que a Obnósios iria colocar o livro no mercado português. Que remédio?!

Quais são os constrangimentos que estiveram na base para não se lançar e debater o tema nas escolas de arte e com o público angolano? Constrangimento nenhum! Só nunca me convidaram para tal. Pode não ser interesse das escolas sobre conteúdos dessa natureza. E sobre isso lembro-me que só na Califórnia é que fui a uma sala de aulas universitária, onde curiosamente abordaram aspectos ligados à cultura Hip Hop. E pude (até) entrevistar o professor. Logo, aqui ainda deve ser um tabu quanto a essas matérias de cariz cultural, nos nossos estabelecimentos de ensino. Quem sabe um dia?! É só esperar!

 Quando pensa trazer o livro para venda em Angola e quanto poderá custar em moeda local?
Não sei, porque nada disso depende do autor. Limitei-me simplesmente a escrever e nada mais. O resto deverá ser interesse e preocupação das instituições.

Nenhum país se desenvolve cultural e intelectualmente com esses dois handicap’s.

Qual é a sua opinião em relação ao interesse por livros e poder de compra dos angolanos em questões literárias?
Acho que primeiramente tem muito a ver com os altíssimos preços dos livros e segundo, o hábito pela leitura ainda é muito escasso pelo longo tempo que tivemos em guerra. Acredite, isso mutilou-nos, grandemente. Nenhum país se desenvolve cultural e intelectualmente com esses dois handicap’s. Logo, a leitura foi de férias e não sei quando vai voltar para o desenvolvimento intelectual da rapaziada. Esperemos por melhores dias ou futuramente, uma outra geração de angolanos.

Há dias e, por isso mesmo, estive a conversa com dois bons leitores e eles disseram-me o seguinte; “prefiro ler o livro físico.”

Com o volume de circulação de livros em PDF não acha que o interesse pela compra de livros físicos tendem a reduzir?
Há dias e, por isso mesmo, estive a conversa com dois bons leitores e eles disseram-me o seguinte; “prefiro ler o livro físico”. Bem, não obstante o digital ser um novo modelo de lançamento, mas ainda não é adaptável à nossa própria realidade, de minha parte agradeço o convite feito pelo editor digital, pois, através dele muita gente vai constatar algo sobre um cantor que nasceu e morreu no século XX e com quase 30 anos de idade. Acho que os PDF’s também devem se transformar em livro físico para que chegue às mãos de todos os leitores.

O mercado editorial angolano tem estado a crescer, mas os seus livros são sempre editados em Portugal. Quais os constrangimentos que tem encontrado?
Acho que este facto está intrinsicamente ligado às dificuldades dos nossos dias. Precisamos ainda ser um país normal ao nível de pergaminhos onde o livro é um valioso instrumento e respeitado para o aprendizado. Qualquer dia poderemos inverter o quadro como aconteceu com a produção musical. Aguardemos.

Angola tem um enorme potencial histórico de que nos podíamos valer para que o mundo conheça e respeite este povo que ajudou na construção do Brasil e dos Estados Unidos da América

O jornalismo cultural tem merecido atenção no Prémio Catoca de Jornalismo. Tem alguma coisa a dizer a respeito?
Quantos mais prémios existirem, melhor, tanto que, poderá ser muito bom para a promoção cultural que se pretende em Angola. Nossa sociedade precisa de vender muito mais arte com cultura, para que lá fora esqueçam as primeiras 4 décadas de independência onde todos estavam apenas interessados em obter dinheiro fácil. Angola tem um enorme potencial histórico de que nos podíamos valer para que o mundo conheça e respeite este povo que ajudou na construção do Brasil e dos Estados Unidos da América, a partir do Século XVII. Então, bem haja o Prémio Catoca de jornalismo.

Quais os demais aspectos culturais lhe são preocupantes e gostaria de apresentar propostas para a discussão e a solução?
Precisamos olhar para tudo quanto seja cultura angolana (sem excepção). Temos um vasto aspecto não apenas para conhecer como também para tirar partido dele mesmo, já que merecemos estar também na boca do mundo pelas melhores razões.

Quem é Miguel Neto?»
É um humilde cidadão desta imensa Angola e filho do Bairro Popular, Neves Bendinha, que deseja o melhor para cada um de nós angolanos. Sou comum a todos os mangopes – sem excepção – sobretudo a nossa grande maioria que habita os musseques.

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