O Marimba Selutu conversou com o músico e escritor angolano que é destaque desde o mês de Setembro na Comunicação Social e nas plataformas online do mundo.
Durante a nossa conversa, possível apenas com recurso às tecnologias de informação devido a apertada agenda de lançamentos do artista, o músico das letras e composições de kazukuta, rap, reage e kuduro apresentou os verdadeiros fundamentos para a escrita deste mais recente livro intutilado “UBUNTU – Nós por Nós”, lançado no primeiro dia de Setembro, na Praça da Independência, em Luanda, não esquecendo falar das rezões da sua ausência de 10 anos ao mercado artístico e do livro que pode ser o próximo a ser lançado no mercado angolano.
Atendendo ser um fazedor de opinião, procuramos saber da sua visão em relação ao fenómeno de clareamento da pele, vulgo “paculo” entre os africanos em geral e angolanos em particular e o artista teve um posicionamento claro. Embora o professor e pesquisador angolano Nuno Álvaro Dala qualificou na sua pesquisa como sendo um “complexo de negro”, o nosso entrevista foi contundente.
Além de revelar a sua crença religiosa, Murras falou sobre a conversa franca que teve com o governador Manuel Homem e explicou sobre a sua única chamada à Presidência da República como artista para actuação, revelando os principais motivos de nunca mais voltar ao Palácio que hoje tem o presidente João Lourenço como o seu inquilino.
O seu trabalho artístico sempre foi conhecido por intermédio das letras de músicas. Agora, acaba de lançar ao mundo literário o seu segundo livro. Quais são os desafios que teve para conciliar a música e a literatura?
Eu consigo conciliar muito bem porque pra mim, a literatura é a música para os olhos. A minha vocação e a minha necessidade de expressão mantêm a música e a literatura a funcionar como vitaminas para a nutrição Espiritual.
Nos 10 anos que ficou fora das lides musicais foram aproveitados para desenvolver a arte de escrita?
A minha escrita é igual a forma de compor música, vem de forma natural, mas durante o hiato aproveitei o tempo para firmar a minha base empresarial, investi em competências, reavaliei a minha carreira, mas sobretudo o mais importante foi invistir tempo na minha família e filhos.
Quais aspectos concretos da filosofia africana pretende levar à sociedade com o este novo livro?
UBUNTU tem a ver com a Colectividade, com Harmonia, com a partilha da Aldeia global e dos espaços. UBUNTU é uma mensagem clara de que o facto de SER não se dissocia da necessidade de “Sermos”.
Precisamos de trocar o chip mental que nos diz que a missão do angolano em Angola é fatigar o angolano e deixar os de longe vencer
E essa filosofia pode ser enquadrada no cenário angolano onde a máxima continua a ser a valorização do estrangeiro?
Precisamente por isso é que essa filosofia TEM QUE SER aplicada aqui com a máxima urgência, precisamos de trocar o chip mental que nos diz que a missão do angolano em Angola é fatigar o angolano e deixar os de longe vencer. Aplicar aqui a filosofia UBUNTU é uma questão de garantir a nossa sobrevivência.
Quando começou a escrever “Ubuntu – Nós por Nós”?
Durante a época da pandemia comecei a fazer as pesquisas para escrever o livro “Temperança – A Magnitude de Nelson Mandela”, mas no decorrer das minhas pesquisas cruzei variadas vezes com a Filosofia Ubuntu, então resolvi escrever sobre a Filosofia de vida que fez de Nelson Mandela um arauto da Paz no mundo.
Os Kotas acumulam experiências e sabedorias sem igual, nós precisamos nos achegar a eles para receber essa luz, pois são eles os proprietários de todo o dossiê das nossas tradições, hábitos e costumes
Que mensagem está a tentar transmitir ao escolher o músico consagrado Bonga Kwenda como o prefaciador?
A valorização e o respeito pelos nossos “Kotas” como fonte de conhecimento infinito. Os Kotas acumulam experiências e sabedorias sem igual, nós precisamos nos achegar a eles para receber essa luz, pois são eles os proprietários de todo o dossiê das nossas tradições, hábitos e costumes. Eu sou fruto da primeira geração pós-independência, tenho que segurar esse bastão para posteriormente passá-lo para as gerações vindouras.
Defino esse fenómeno ‘Paculamento’ como uma busca absurda por aceitação, só que a negritude é indisfarçável.
Como encara o fenómeno de clareamento, vulgo “paculo” entre os africanos em geral e angolanos em particular?
Esses Makongos são resquícios dos danos que o colonialismo fez com a nossa mentalidade. Desde o tempo da escravidão, na escala cromática, quanto mais os escravos se aproximavam daquilo que é branco passavam a ser vistos como mais humanos, quanto menos pretos, menos selvagens, menos tribalizados, menos atrasados e menos primitivos. Havia privilégio para os escravos mestiços, filhos dos mercadores de escravos, ou dos capatazes brancos com as escravas negras. Eram eles que tinham a permissão de trabalhar como domésticos, dentro da casa do Senhor e a quem era permitida a alfabetização e desta forma foi-nos implantada a mensagem de que quanto mais escuro, menos aceitação. Portanto eu defino esse fenómeno Paculamento como uma busca absurda por aceitação, só que a negritude é indisfarçável.
Quantas cópias foram editadas para Angola e como está a enfrentar o desafio de levar a obra para outras partes do país?
Na primeira fase trouxemos 5.000 livros “Ubuntu” e em dois dias vendemos cerca de 4.700 unidades. Por incrível que pareça, nas nossas plataformas digitais, as pessoas foram pedindo também o livro “Matemática da Coerência”, então trouxemos 1.500 cópias e as vendemos todas nestes dois dias. Agora mandamos imprimir mais 5.000 unidades do livro “Ubuntu” e mais 3.000 do livro “Matemática da Coerência” para atender aos pedidos de várias províncias e livrarias do país porque espalhar o Movimento Ubuntu por Angola virou missão.
E quais os outros países que irão beneficiar da venda deste seu trabalho?
Os livros estarão a venda nos canais oficiais em Lisboa para atender a Europa, no Brasil para a América Latina e em todas lojas Shoprite para atender as 17 das 18 províncias d´Angola.
O que se espera de concreto para a solução dos citadinos de Luanda fruto do seu encontro com o governador de Luanda, Manuel Homem?
Acedi ao convite que me foi feito no dia em que o Governador se dirigiu à praça da independência para valorizar a minha obra literária. No encontro abordamos muitas questões relativas, principalmente, a juventude em Luanda e aproveitei expor a minha Visão/Contributo relacionadamente a necessidade da criação de projectos de geração de renda como Ferramenta de Luta contra o desemprego e estimulador do Potencial Produtivo da nossa Juventude.
Na sua carreira artística chegou a ser convidado para um encontro formal e de cortesia com um dos Chefes de Estados em Angola?
Cheguei a ser convidado pra cantar uma única vez no Palácio, no aniversário do finado ex-presidente José Eduardo dos Santos, acho que lá não gostaram do teor das minhas letras e não me convidaram mais.
Para um Governante de bem, a minha música é um veículo para a promoção da cidadania e da inclusão social, do sentido de pertença e do desenvolvimento da identidade de grupo
A sua linha de músicas de intervenção social ainda é vista como “arma dos revús” para despertar as mentes do povo oprimido?
A minha música, é vista de variadas formas dependendo do ângulo e da posição em que as pessoas se encontram. Para os pobres, por exemplo é alimento Espiritual, porque está lá a alma e o cheiro da Terra. Para um Governante de bem, a minha música é um veículo para a promoção da cidadania e da inclusão social, do sentido de pertença e do desenvolvimento da identidade de grupo. Agora pra quem quiser continuar a fatigar [prejudicar] o povo da minha terra, a minha música será sempre uma pedra no sapato.
Já pensou na tradução da obra para ser abrangente aos países do continente africano e do mundo em geral?
A minha Prioridade será sempre o meu povo, a minha gente, a minha Angola. Neste momento estou a ver como faço para traduzir o livro para as nossas línguas de origem maternal.
Nas suas mensagens motivacionais sempre alerta que “Tó Berrar Sempre, O nosso Ngana Num Ferra”. É possível nos dizer a sua crença religiosa?
Acredito PLENAMENTE na existência de Nzamby Ya Mpungo Tulendo. Amo a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo.
Que mensagem gostaria de deixar para a juventude de Angola?
Para além de serem a maior esperança de futuro, os jovens são o maior combustível para o desenvolvimento de qualquer Nação. África é o continente mais jovem do globo, temos que usar essa realidade como vantagem. Os nossos governantes são obrigados a criar políticas públicas mais justas, mais diversas e mais inclusivas que permitam que os jovens desenvolvam competências para alcançar todo o seu grande potencial cognitivo, técnico e profissional.
Este é o diferencial que vai garantir empregabilidade e liberdade para que os jovens desfrutem as suas vidas com segurança, dignidade e oportunidade, e deste modo contribuam ao máximo para o desenvolvimento desta grande nação.
PERFIL
Conhecido também como palestrante motivacional e activista social, Dog Murras, nome artístico de Murthala Fançony Bravo de Oliveira, nasceu a 17 de Fevereiro de 1977, iniciou a carreira artística depois de frequentar o curso de Belas Artes, numa das escolas secundárias de Joanesburgo, África do Sul.
Após 3 anos do lançamento da música “Don’t Know”, dedicada à Paz em Angola, no projecto Pomba Branca, a produtora portuguesa Energy Records em colaboração com o produtor angolano Eduardo Paim, lança o seu disco intitulado “Suis Generis”, em 1999, marcando o início da sua carreira musical.
O produtora portuguesa Sons D’África lançou o “Natural e Diferente”, em 2000; a Vidisco o álbum “Bué Angolano”, em 2003 e “Pátria Nossa”, em 2005; a LS Produções trabalhou o “Kwata-Kwata”, em 2007 e o CD/DVD “Angolanidade”, em 2010 e a Murras Power levou ao mercado o “Best Of Dog Murras”, em 2015