O antropólogo brasileiro Kabengele Munanga, professor emérito da Universidade de São Paulo, Brasil, considerou, no passado fim- de-semana, que a obra antropológica de Maurício Caetano, “Mafrano”, deveria ser recuperada e reutilizada por académicos e demais estudiosos angolanos e africanos que se ocupam da área da cultura, línguas e civilizações Bantu.
Este apelo foi feito esta semana pelo Prof. Doutor Kabengele Munanga, durante uma videoconferência sobre o espólio literário do escritor e etnólogo angolano “Mafrano”, cuja colectânea sobre os Bantu foi objecto de um debate organizado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), numa iniciativa que coincidiu com o 48º aniversário da Independência de Angola.
“Os dois volumes de ‘Os Bantu na visão de Mafrano’ não teriam sido conhecidos sem este trabalho minucioso, de escavação arqueológica, para encontrar textos dispersos da sua autoria em vários jornais do tempo colonial e em algumas publicações missionárias, como foi o caso da Arquidiocese de Luanda e seus arquivos”, realçou o académico brasileiro ao aplaudir a publicação desta obra em três volumes e mais de 700 páginas.
De acordo com o Jornal de Angola, Kabengele Munanga citou ainda uma frase histórica do historiador maliano Hampaté Bá, segundo a qual “a morte de um ancião africano é como se fosse uma biblioteca queimada”, antes de salientar que “os escritos de Mafrano, em plena colonização portuguesa de Angola, salvaram grande parte dessas bibliotecas vivas que teriam sido queimadas e perdidas com a morte dos sábios conhecedores da história, cultura e tradições dos povos angolanos.”
Sublinhando várias vezes a importância e riqueza de “Os Bantu na visão de Mafrano”, Kabengele Munanga defendeu com vigor o estudo da mesma, adiantando que caso ainda leccionasse, usaria os textos deste autor como “a origem do homem, da mulher e da natureza através das lendas e dos mitos que existem em todas as culturas”, para explicar aos estudantes “as raízes das culturas africanas de origem bantu”.
Kabengele Munanga classificou Mafrano de “um rebelde e divergente”, dizendo que na sua época, este autor reconheceu a importância da Cultura e do Património Cultural Bantu, tentando registá-los para as gerações futuras. “Mafrano rompeu os obstáculos impostos pelo processo de lavagem de cérebros africanos que negavam a ancestralidade africana e a sua História, assim como a sua plena humanidade”, realçou o estudioso, acrescentando logo a seguir:
“Maurício Caetano tenta, de modo original, fazer uma Etnografia de alguns povos ou etnias, de angolanos, onde viveu e passou parte da sua infância, com registos inéditos, que não encontraríamos hoje, sobre vários aspectos das culturas originais, incluindo a sua História ancestral, organização social, sistema de parentesco, nascimento, vida, morte, relações matrimoniais e religião, no olhar de um africano baseado na sua própria experiência de vida diferente da cultura ocidental, fazendo o que a escritora brasileira Conceição Evaristo chama de ‘escrivivências’, o que quer dizer ‘escrever a partir da sua experiência de vida’, e não escrever a partir de observações externas de alguém que vem de fora, como pesquisador”, disse Kabengele Munanga.
O professor Munanga não escondeu a sua emoção ao recordar que foi o primeiro antropólogo formado na Universidade oficial do Congo (RDC), quando disse: “No meu caso, que nasci e fui socializado numa dessas culturas do Povo Bantu, eu encontrei o meu rosto, o rosto da minha cultura, nestes textos que constituem os dois primeiros volumes da colectânea ‘Os Bantu na visão de Mafrano – Quase Memórias’; Descobri nestes dois primeiros livros coisas que não sabia interpretar dentro da visão colonial em que fui formado”.