As Figurinhas do WhatsApp – Crisóstomo Ñgala

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Dizer o óbvio é sempre chato. Mas algumas vezes é necessário em viva-voz lembrar que falar e escrever não são a mesma coisa.

Há quem ainda acredite que as pessoas escrevem e leem como falam. Na verdade, as pessoas escrevem como pensam. (Daí a importância de aprender a pensar, pois pensar bem se aprende. Falar bem também.).  Geralmente aprende-se a ler e a escrever depois que se aprende a falar (Saussure). Ou seja, a oralidade antecede a escrita, mas não é anulada pela escrita. Até porque a fala ativa, a fala lógica, aquela fala que está de mãos dadas com a escuta ativa (Rubem Alves) e qualificada, é coisa que carecemos muito.

E bom seria que nossos ondjango reassumissem o seu devir e fossem espaços de fala afirmativa e discursiva, pois de grupinhos de fofoca travestidos de espaços de debate o WhatsApp está cheio.

A passagem da fala à escrita, para quem ainda se lembra como foi seu processo de alfabetização, sabe que é uma travessia tortuosa que implica saber diferenciar a grafia de outros traços, riscos, gravuras e desenhos.

Que funções desempenham as pinturas rupestres no interior de nosso país? A pergunta é para fazer você refletir sobre o papel que a escrita desempenha em sua vida, sobretudo o sentido do que você escreve. Porque, por exemplo, para povos de cultura oral, escrever é desperdiçar e arruinar a capacidade da memória.

Também é limitar o raciocínio ético e místico das palavras. Os primeiros escritos sagrados, ao menos os judaicos (Torá) e os cristãos (Bíblia) por exemplo, foram produzidos num contexto em que escrever era extremamente caro e difícil, e os textos eram criados com foco auditivo e oral, para serem lidos em voz alta, para serem proclamados. Nada era escrito para a leitura silenciosa e solitária, muito menos para gerar divisões entre as pessoas. Mas para envolver a comunidade toda.

Há estudos que indicam que a escrita nasce no mesmo contexto da agricultura, isto é, como consequência da necessidade da sedentarização. Tornamo-nos sedentários não por mera acomodação, mas por estratégia de sobrevivência, de segurança e de necessidade gregária.

Porém, um dos retrocessos que ameaça a nossa espécie ultimamente tem sido a banalização da escrita e da fala. Tanto a fala quanto a escrita, ambas exigem atenção. Contudo, além da fala e da escrita, hoje precisamos prestar atenção às figurinhas de WhatsApp, a nova estratégia de furar bolhas e veicular mensagens, tanto de amor quanto de ódio.

Figurinhas de WhatsApp não são brincadeirinhas. São um meio de comunicação muito eficaz, prático e simples. Então cuide para não semear ódio e criar divisões de forma silenciosa e disfarçada, pois o que mais precisamos é de unidade.

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Crisóstomo Ñgala é um cronista e autor angolano, formado em Filosofia pela Universidade Católica de Angola (UCAN), pesquisador científico do Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola (FDUCAN) e Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

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1 COMENTÁRIO

  1. Texto muito interessante e necessário para que as pessoas possam refletir, ao menos um pouquinho, sobre suas práticas comunicativas através das figurinhas (nada inocentes) do WhatsApp.

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