Certas manhãs acordei de sonhos intranquilos em que fazia um Tik Tok. Minhas mãos bailavam em sentido tal qual a cabeça e meus olhos, lentes, capturando movimentos posteriormente alocados em estruturas algoritmadas.
Minha cintura era igual a do rapaz que fez um milhão e eu a conduzia às formas rumo ao dois. Meu corpo pertencia ao que, então, era uma mensagem e jovens – jovens que nem mais tanto sou – me aplaudiam com aparelhos apontados para mim. Um enquadro. E especulavam: um milhão, dois milhões, cinco milhões.
Igual aos tantos que chegaram e foram arrastados para cima. Eu agradecia. Eu dançava, emocionado em pertencer ao reels.
Montei, para tal, estrutura organizada. Equipamentos que me fizessem dançar, correr, gritar, enfim, em qualquer lugar. Apropriado ou não. Coerente ou não. Plausível ou aplauso. Em qualquer lugar eu faria o palco para minhas demonstrações cotidianas de existência. E meu corpo não parava. Nem meu sorriso. Nem meu olhar fixo à tela. Nem o meu desejo desesperado pelo reels.
Aqui é festa, amor
E a tristeza em minha vida
Otto cantava, apesar de não dançar. Otto cantava e pitava um filtro vermelho. Eu o convidava e Otto dizia que depois, depois, depois, quem sabe, nunca! E eu ensinava a forma exata da coreografia abdominal, sem carecer dos gomos. Só a movimentação exata. Otto ria e dizia que depois, depois, depois, quem sabe, nunca! Nunca!
Eu era uma barata?
Entre tantas, pelas tantas?
Proliferei?
Uma barata dançante sem o status de extraterrestre. Porque eu era daqui. Entre tantos, entretanto, um, atraindo a atenção, a viralizada, a gozada digital. Eu era uma barata coreografada e ria para a tela um pouco sem querer, confesso. Meu movimento me dava asas e elevava meu status ao terror.
Será que sou a primeira barata dançante do mundo?
Uma barata tik toker?
Algum reality show me mandou direct?
A barata dançante proliferou?
Eu esperava que sim, mas Otto que não. Que depois ou nunca. E ia. Eu também, apesar de me manter dançando, mesmo querendo parar. Manter-me dançando, mesmo querendo urgentemente parar. Urgentemente entender o que me fez usar “manter-me”. Dançar.
Tã tãtã tãtã tãtãtãtãtã
Acordei.
Achei graça, chorei. E fui para o reels. Vi o Otto.