Não assisto mais, Juca! Já disse que não assisto mais. Só o próximo, o próximo, o outro. Só o próximo, mentindo que não, mas vendo porque tem uma coisa que me põe pra assistir. Só o próximo, tá? Pra ver se muda algo e a gente volta ao charme de outrora. Sim, você bem lembra!
A vitória era quase sempre certeza, cada posição tinha dono e os que surgiam, despejavam litros de suor na busca pelo banco. É o que dava. O banco. Qualquer derrota era tragédia, jamais normal! Jamais!
A bola corria fácil, procurava a rede, o drible era bocejo, a arte transpunha qualquer tela ou compasso, além do adversário ser um bêbado dançando solitário em busca do nada. A 10 era a camisa de vários. Quem decidia quem ia vestir era louco e irresponsável. Sobretudo, um sujeito de sorte ou azar, você escolhe. A taça era questão de tempo e nos dávamos ao luxo de um time B, quando não, C, ao que se entendia de menor relevância. Isso que eu nem vi quem você viu, hein.
Já não se fazem mais candidatos à camisa amarela como antigamente. Nem canhotos, cobradores de faltas, curvas de escanteio ou pênalti. O charme da camisa amarela talvez tenha ido embora junto à massa vestindo canarinho rumo aos seus automóveis quando findou o dia de gritos e pedidos pelo fim da democracia. Teve até quem pediu volta da ditadura. Será que foi isso, Juca? Será que dali pra frente, a gente perdeu a posse?
Nota! Não sou lá muito das superstições, embora o amor que sinto por minha mãe me faça ter o cuidado de nunca deixar meu chinelo virado. Só que quando a massa “indignada” botou a camisa amarela, as coisas nunca mais andaram tão bem, Juca. É dar azar mesmo. É quebrar o encanto, a mística. Transformaram a camisa em qualquer coisa, pô. Lembra? Duas copas e duas decepções. Copa américa a gente levou só uma e aqui dentro de casa. Mas só. Pouco, não? Pra 5 estrelas, o serviço tá bem fraco.
E o 7×1? Não foi vexame, tragédia. Foi algo além e a gente nunca mais foi o mesmo. Quem gosta, lembra e sofre. Quem não gosta, lembra e sofre. Até quem não gosta, imagina! Gente que acha que a bola é quadrada e chorou no baile. Sim, até quem não gosta. Percebe o abalo? Tanto que até hoje quem diz “Alemanha”, bota mais ênfase na palavra. Em qualquer contexto. A gente nunca mais foi o mesmo.
E vou além, Juca. Espera um pouco que você já vai. Vou além. Depois da massa roubar o charme da camisa amarela quando isolou num chutão a democracia, o azar foi tão grande que não surgiu mais nenhuma Marta, Cristiane, Garrincha, Pelé. Percebe, Juca? Nunca mais mesmo!
Não quero ser da conspiração. Isso não me cabe. Mas que mudou, mudou. Oh povo que atrapalhou, viu? Do andamento da democracia à seleção. Que eles sofram também porque o pequeno poder deles não compra outro time.
Tá bom. Vai. Foi bom te ver. Desculpa o desabafo. É saudade, entende? De ser menino e querer estar junto. Ok… tá bom. Te acompanho. Mas grava isso. Não assisto mais, Juca! Já disse que não assisto mais. Só o próximo, o próximo, o outro. Quem sabe não aparece outro Garrincha, não é? E esse povo devolve de vez a camisa que jamais coube no número deles.
_____________
Guigo Ribeiro é um artista brasileiro fazedor de literatura, música e teatro que tem estado a liderar e apoiar pessoas com deficiência através da prática de teatro com o grupo Museatro.