A Fome e a Seca da Cultura do Cunene – Fernando Guelengue

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Instalações do Governo Provincial do Cunene. Fotografia de FG.
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Quando ouvimos falar do Cunene, seus municípios, comunas e as suas demais localidades, a nossa imaginação nos remete para os aspectos marcantes da ancestralidade como a figura mítica do Rei Mandume, a língua oshikwanyama, a antiga presença dos povos indígenas e as antigas bases militares dos países da África Austral.

A primeira vez que senti o frio e as pegadas das elevadas vacas dessa cidade fronteiriça, foi aquando da cobertura jornalística das eleições gerais de 2012, altura em que me encontrava destacado como repórter do Novo Jornal, de Gustavo Costa. Foi tão rápido que o foco era apenas fazer a cobertura da campanha da força política que estava a acompanhar, a CASA-CE do renomado Abel Chivukuvuku, não dando tempo e espaço para conhecer melhor a dimensão cultural da província que está a ser dirigida pela governadora Gerdina Ulipamue Didalelwa, mulher do ex-governador António Didalelwa.

“No Cunene não tem arte. Não tem artistas. Não há Cultura. Aqui está tudo mal, inclusive o teatro, a dança, a música, o cinema e a literatura”. Estás são algumas das frases de populares que mantivemos uma conversa sobre a perigosa inacção da dinâmica cultural necessária naquela província.

Segundo a nossa observação presencial, além de afectar a sobrevivência da vida humana, a fome e a seca afectou também a cultura, turismo e ambiente. Por isso, decidimos escrever sobre a dimensão crónica da miséria cultural da terra mística que possui os mais antigos povos do mundo, os Sans.

Para conhecer o que a Direcção da Cultura, Turismo e Ambiente faz para promover a cultura na província, efectuámos uma ligação telefónica ao director Marcelino dos Santos e em 7 dias não conseguiu conceder-nos uma entrevista e nem mesmo teve a amabilidade de indicar alguém para o substituir, depois de alegar que estava a gozar férias!

Nós só queríamos conhecer melhor o que se faz e se vive de Cultura naquela paragem do país, conhecida como a terra da seca e da fome, que também está a afectar os fazedores de cultura.

Numa conversa em off record com um jovem praticante de artistas marciais na cidade de Ondjiva, que entendemos não mencionar o seu nome para evitar represálias, o mesmo revelou a forma como a Cultura local tem sido levada a cabo. 

“Aqui, para fazer espectáculos e participar em actividades culturais é necessário pagar aos promotores e o governo prefere chamar artistas da Namíbia do que os angolanos. Outros, como o meu irmão mais novo, estão a juntar dinheiro para participar em campeonatos nas outras províncias e o governo não sabe de nada pela sua negligência”, observou.

O que não entendemos é o silêncio da dinâmica cultural necessária para uma província com um potencial histórico que remete para a elevação da sua dimensão cultural diante de vários locais de Angola. Mas quando se fala do Cunene nos dias de hoje, a primeira vista saltam duas impressões: a seca e a fome!

Em conversas e observações informais tomamos conhecimento de que há uma fraca presença de músicas que cantam as tradições locais. Perguntamos e ninguém nos disse o nome de um só músico que canta em língua local, o que representa um atentado à preservação da identidade cultural de Angola, no geral e do Cunene em particular.

E a lógica de vida daqueles dirigentes que misturam a responsabilidade de servir com servir-se, é de que “aqui embora estamos bem”, como cantou de forma irónica o músico, compositor e empreendedor Dog Murras. E quando notam que os jornalistas de Luanda chegaram, declinam com o medo de revelar informações que entendem como comprometedora para a província.

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