Com mais de uma década de trabalho desde a sua fundação, a editora portuguesa Caneta de Estilo trabalha na promoção do mercado literário da lusofonia e destacou-se com o lançamento do projecto Escritas no Feminino.
Trata-se de uma Colectânea que reúne textos de escritoras de países de língua portuguesa, com o objectivo de celebrar a diversidade de vozes femininas e promover a igualdade de oportunidades no campo literário.
Desde a primeira edição, em 2022, Fernanda Carrilho, CEO da editora Caneta de Estilo, tem trabalhado no sentido de estimular a criatividade, incentivar a leitura e dar visibilidade a autoras emergentes de diferentes gerações e contextos culturais.
A responsável editorial, que já coordenou duas edições deste projecto, partilha detalhes sobre o processo de curadoria, os critérios de participação das autoras, as edições anteriores e os planos futuros para expandir o alcance da obra, que já abrange diversos países da CPLP.
A entrevista revela também os desafios e as conquistas da editora, destacando o impacto positivo que o projecto Escritas no Feminino tem alcançado.
Fernando Guelengue | ANGOLA
O que são “Escritas no Feminino”?
As Escritas no Feminino é uma Colectânea que reúne textos de escritoras de países de língua oficial portuguesa, destacando a diversidade de vozes, perspectivas e experiências femininas presentes nas diferentes culturas lusófonas.
Qual foi a base motivacional que levou à criação dessa iniciativa literária e em que ano?
Antes de responder à questão, é importante mencionar que a Caneta de Estilo é uma editora portuguesa que trabalha, há mais de uma década, com autores de todos os países de expressão portuguesa, de maneira extremamente personalizada, na revisão, aprimoramento, edição e divulgação dos seus trabalhos e livros. Angola é, sem dúvida, o país com maior expressão.
Foi neste contexto lusófono e na sequência de trabalhos alusivos ao Dia da Mulher — 8 de Março — que, no ano de 2022, a Colectânea Escritas no Feminino se foi desenhando, a partir de conversas mantidas com autoras de Angola, Brasil e Portugal. Estes diálogos decorreram em torno de como, através da escrita, se evidenciam denominadores comuns entre mulheres de diferentes vivências e interesses, de continentes distintos, mas com um passado partilhado em muitos pontos.
E quais foram os principais objectivos deste importante projecto literário?
Os objectivos que estavam na sua génese foram variados: alguns mais gerais, como estimular a escrita e a leitura, promover a criatividade e a imaginação, divulgar o trabalho de autoras com obra publicada e dar oportunidade a outras que, por diferentes razões, ainda não tiveram a possibilidade de ver os seus trabalhos editados; outros eram mais ambiciosos (específicos), como dar a conhecer os textos no círculo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criar laços entre as pessoas e os países e promover futuros trabalhos colectivos e, quiçá, encontros literários ou outros eventos.
Quantas autoras participaram nos dois volumes e de quais países?
Em 2022, participaram 22 autoras de 5 países (13 de Angola, 4 do Brasil, 2 de Cabo Verde, 1 de Moçambique e 2 de Portugal). Na edição actual, contamos com 30 autoras de 7 países (15 de Angola, 3 do Brasil, 1 de Cabo Verde, 2 da Guiné-Bissau, 3 de Moçambique, 5 de Portugal e 1 de São Tomé e Príncipe).
Quais são as novidades que a edição de 2024 traz?
Além de aspectos que abordarei a seguir, procurámos melhorar a parte gráfica. E, com o objectivo de fazer sempre mais e melhor, continuaremos a aprimorar tanto a parte gráfica quanto a textual nas futuras edições.
“Optámos por não impor restrições (de forma ou conteúdo), a fim de não limitar a criatividade das participantes”
Quais foram os principais critérios de participação e quanto tempo as autoras tiveram para enviar os seus trabalhos?
Na primeira edição, com excepção para textos científicos, cujo pragmatismo e objectividade não caberiam numa obra dessa índole, optámos por não impor restrições (de forma ou conteúdo), a fim de não limitar a criatividade das participantes. O que se pretendia era reunir um universo de textos em que o toque feminino, como sua essência, estivesse bem patente, seja como mãe, amiga, amante, filha ou profissional. Por isso, nesta obra, o leitor poderá encontrar uma variedade de estilos.
Na segunda edição, e contando com a experiência da edição anterior, bem como com a receptividade dos leitores e autoras, os critérios foram ajustados. Procurámos reduzir os textos de carácter informativo, mantendo alguns que consideramos semiliterários, mas predominando os textos literários. É neste sentido que pretendemos seguir.
E esse caminho fez toda a diferença?
Estamos convictos de que sim. Contudo, gostaria de referir que abrimos uma excepção para um texto com teor motivacional, de autoria de Aldazisa Zinga, que nos pareceu importante para abrir a obra. Ele é dirigido a todas aquelas que ainda não se sentiram confiantes para partilhar os seus textos.
Urge frisar que mantivemos uma “quota” para autoras/escritoras de “primeira viagem” e continuamos a apostar em talentos emergentes. É preciso dar oportunidades, por isso, fazemos uma triagem inicial, mas não queremos ser censores implacáveis.
Quanto ao prazo concedido às autoras, inicialmente foi de cerca de um mês e meio, mas, tal como ocorreu com a primeira edição, o prazo foi dilatado devido a várias circunstâncias, incluindo a falta de tempo de algumas autoras que tomaram conhecimento do prazo já próximo do fim. Neste momento, já temos os textos de 3 autoras de 2 países a aguardar pela próxima edição.
Quais géneros são encontrados nos dois volumes?
Como mencionei anteriormente, na primeira edição, aceitámos alguns textos de carácter não-literário, desde que fossem escritos por uma mulher (nomeadamente textos didácticos e de autoajuda). Nesta edição, contamos, sobretudo, com os três géneros aristotélicos (narrativa, poesia e drama) e os seus subgéneros. Temos, também, um conjunto de textos que apelidámos como semiliterários, pois apresentam algumas características literárias, embora não na sua totalidade.
“No segundo volume, contámos com: Aldazisa Zinga, Alessandra Dias, Alzira Simões, Carla Alves, Clarice Esmeralda, Emiliana Júnior, Evy Martins, Gizela De Brito, Helena Dias, Luzimira João, Mariana de Sousa, Marilda Cremilde, Sara de Carvalho, Thelma Isaac e Zenilda Bonito”.
Quem são as angolanas que deram voz ao segundo volume e quais as que estavam no primeiro?
No primeiro volume estavam: Aldazisa Zinga, Bereznick Rafael, Bibiana Gomes, Deodete Cruz, Eli Bernardo, Escritora Sorriso, Gizela De Brito, Leonor Dombo, Maria Manuela Freire, Ngonguita Diogo, Maria do Rosário Carrolo, Stella Bambi e Taurina de S.
No segundo volume, contámos com: Aldazisa Zinga, Alessandra Dias, Alzira Simões, Carla Alves, Clarice Esmeralda, Emiliana Júnior, Evy Martins, Gizela De Brito, Helena Dias, Luzimira João, Mariana de Sousa, Marilda Cremilde, Sara de Carvalho, Thelma Isaac e Zenilda Bonito.
Algumas dessas autoras já haviam publicado connosco anteriormente (Bibiana Gomes, Carla Alves, Helena Dias, Maria Manuela Freire e Maria do Rosário Carrolo); e outras publicarão em breve (Mariana de Sousa e Zenilda Bonito).
Quais as principais mensagens deste projecto que unem a lusofonia?
A força da mulher, a descoberta enquanto ser humano, as preocupações do dia-a-dia, seja como mãe, namorada ou filha, e a tentativa de emergir num mundo onde ainda existem disparidades em várias áreas, especialmente no que diz respeito à oportunidade e igualdade de tratamento para as mulheres.
Qual é a faixa etária das escritoras que participam no projecto?
A faixa etária é bastante diversificada, variando dos 18 aos 70 anos.
Como foi o contacto com as autoras ao longo do percurso?
Para nós, editora Caneta de Estilo, a comunicação é essencial para o sucesso de qualquer livro, e a Colectânea não foi excepção. Como as autoras podem confirmar, houve sempre um diálogo aberto, com inúmeras revisões e contactos, com o objectivo de apresentar o melhor resultado possível. Foram horas sem fim de trabalho, não poupámos esforços, mas estamos satisfeitos com o resultado. É importante destacar que, apesar das várias revisões e sugestões, as autoras sempre tiveram a última palavra, nada lhes foi imposto.
“Muitas autoras residem fora dos seus países de origem, estando algumas a viver em Portugal, Inglaterra e Estados Unidos da América”.
Como o livro será distribuído nos países onde as autoras residem?
Na edição de 2022, entregámos pessoalmente os livros a várias autoras ou a seus familiares e amigos (em Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde), e os demais foram enviados pelo correio. O mesmo ocorrerá nesta edição, que logo nas primeiras duas semanas foi entregue a autoras de Portugal, Angola e Guiné-Bissau.
Muitas autoras residem fora dos seus países de origem, estando algumas a viver em Portugal, Inglaterra e Estados Unidos da América.
Quando será realizado o acto de lançamento público deste projecto literário? Ainda não temos uma data definida, pois é importante que, primeiro, os livros (ou a maioria) cheguem até às autoras. Contudo, estamos a equacionar um lançamento em Lisboa e outro em Luanda. Se necessário, consideraremos realizar lançamentos noutros países.
Neste projecto, alcançou os resultados pretendidos?
Sim, sem dúvida. Aliás, superámos as expectativas. A adesão veio de todos os cantos, embora ainda não tenhamos alcançado Timor-Leste. Quem sabe, numa próxima edição, conseguiremos chegar mais longe e alcançaremos a totalidade dos países da CPLP.
Haverá uma 3.ª edição deste revelante projecto?
Já estamos a avaliar essa possibilidade e com um intervalo menor entre as edições. Como confidenciei, já temos textos de 3 autoras de 2 países a aguardar pela próxima edição, mesmo sem ter sido anunciado, o que é muito gratificante. É, igualmente, gratificante ver autoras a “crescer”, a confiar mais nas suas habilidades e a investir nos seus conhecimentos para oferecer mais e melhor ao leitor.
Antes de terminar, gostaria de reiterar uma nota de agradecimento à escritora Gizela De Brito, participante da 1.ª edição e autora da obra Os Segredos dos Meninos Mágicos, pois foi uma grande incentivadora e conselheira na presente edição, na qual também participou.
PERFIL
Fernanda Carrilho é a CEO da empresa portuguesa Caneta de Estilo – Editora & Consultoria Linguística. É doutoranda em Literaturas Românicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), mestre em Literatura de Viagens, pós-graduada em Ciências da Educação e licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses –, pela mesma Instituição.
Assumidamente apaixonada pelas letras, é docente, investigadora e escritora, com mais de duas dezenas de livros de sua autoria publicados no mercado português. Entre eles, destacam-se: Dicionário de Latim Jurídico; A Lei das XII Tábuas – Traduzidas e Comentadas; Dicionário de Nomes Colectivos; Métodos e Técnicas de Estudo; Dicionário Breve de Expressões Latinas; Rimário d’Os Lusíadas; Como Estudar Melhor – Um Guia para o Teu Sucesso.
Participação em obras colectivas: “Serpa Pinto, Como Eu Atravessei África” in Cultura Portuguesa Oitocentista – Antologia Crítica; “Imagens da Guiné do século XVII” in Textos e contextos – Linguagens sobre África; “Como Eu Atravessei a África – Um texto de Literatura de Viagens” in Revista Africana Studia; “A Ordem de São Lázaro” in Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal.
No prelo tem: O Sermão de Santo António aos Peixes contado às Crianças; Índice Alfabético da Lírica e Épica Camoniana e Guia Prático de Tradução Latina.