Os dicionários da Língua Portuguesa definem o substantivo distância como espaço ou intervalo de tempo entre duas ocorrências. Mas, por outro lado, a dinâmica da língua permite ainda uma interpretação poética sobre a distância: a alienação sobre um fato qualquer. É comum, assim, pessoas que compartilham o mesmo tempo e espaço dizerem uma à outra: “Você está distante…”. Com isso, quer-se dizer que, a despeito do compartilhamento do espaço e do tempo, há uma falta de interesse ou de consciência da presença do outro.
Esse paradoxo apesar de parecer esdrúxulo, é, na verdade, muito comum. É o caso, por exemplo, das relações entre o Brasil e o continente africano. Apesar de o país americano ser constituído por uma presença extremamente relevante de afrodescendentes, ainda assim, o Brasil pouco conhece da África e pouco quer conhecer.
Em 2003, somente, o Brasil precisou promulgar uma lei determinando a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Africana e afro-brasileira. Surgiram materiais didáticos e paradidáticos para suprir a demanda e a ausência de formação dos professores que, nas instituições de ensino superior, não estudaram sobre a África.
A despeito da importância e da boa vontade de tais materiais, significativa parte deles se detém a mostrar como “contribuições” africanas apenas aspectos culturais (como a culinária, as festividades, inserção de palavras no vocabulário, as danças e músicas e a religiosidade). São aspectos importantes, sem dúvida, mas que ofuscam outras como a de produção de conhecimentos técnicos, de tecnologia ou saberes mais elaborados. É o caso, por exemplo, dos escravizados que comumente foram chamados de “mina”, como designativo de etnia (quando, na realidade, não é).
Os “mina” eram pessoas em situação de escravidão que eram originárias da Costa do Ouro. Sobre esse aspecto, Robin Law discorre algumas considerações:
“[…] no seu sentido original, ou seja, na África Ocidental, o nome “mina” estava efetivamente relacionado à Costa do Ouro e a pessoas dela originárias, mesmo que assentadas em outras localidades. Neste grupo estão incluídos tanto os povos de línguas ga-adangme, situados a oeste do Rio Volta, no lado leste da Costa do Ouro, quanto os que falavam akam. […] A origem do nome “mina” não está em jogo. Trata-se de palavra portuguesa que, neste contexto, se refere especificamente às minas de ouro. Depois da chegada dos portugueses à Costa do Ouro, em 1471, o nome “Mina” foi logo aplicado à área onde eles negociavam ouro com os povos nativos. Inicialmente, isto acontecia na vila costeira de Sama. Em 1482, entretanto, os portugueses construíram o Forte de São Jorge da Mina, localizado 30 km mais a leste, no local de uma aldeia indígena denominada Edina. A partir de então, o nome “Mina” passou a referir-se a este lugar. A passagem do nome Mina para a atual forma “Elmina” ocorreu durante o período da ocupação holandesa do forte, depois de 1637”.
O fato de tais pessoas serem originárias da Costa do Ouro talvez explique a sua preferência no trabalho de extração de metais preciosos nas Minas Gerais do Brasil. A historiadora Julita Scarano explica que “os escravos que foram para as terras mineiras com os primeiros exploradores eram chamados de “nação”. Vinham da África e faziam parte de um grupo ou nação africana. A grande maioria era constituída pelos mina, seguida dos congo, cabinda, angola, cabo-verde, “masengano”, monjolo e outros.
A maioria tinha vindo da África com a finalidade de trabalhar na região das minas, mas alguns haviam estado antes na Bahia, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro” (SCARANO, 2002, p. 11).
É provável, portanto, que o conhecimento prévio em mineração tenha sido um dos fatores que deram a preferência para a importação de escravos “mina” nas áreas auríferas do Brasil. A necessidade desse conhecimento técnico de prospecção deve ser levado em consideração na interpretação do mercado escravista.
Em outras palavras, o conhecimento técnico dos africanos era valorizado porquanto possibilitava o aumento dos lucros na extração de metais preciosos uma vez que o trabalhador já era detentor do saber necessário para a empreitada.
Isso sem contar com os sudaneses e mouros que no Brasil ficaram conhecidos como “malês” e eram africanos islamizados. Em geral, eram alfabetizados em árabe e possuíam conhecimento vasto e superior à média dos brasileiros de sua época. Com isso, recusavam-se a ser escravos de pessoas que tinham menor capacidade intelectual que a deles.
Ficaram celebrizados pela revolta ocorrida na Bahia em 1835 (Revolta dos Malês), mas tinham conexões com a então província de São Paulo. Alguns anos antes, em 1832, as autoridades de São Paulo já reconheciam que tais escravizados eram “perniciosos” e que deviam ser recolhidos e, possivelmente, repatriados para a África.
O governador e capitão-general da Capitania de São Paulo, Diogo de Mendonça Corte Real, emitiu uma carta ao rei de Portugal, datada de 29 de março de 1832, informando que “se faz presente que nessa Capitania andavam alguns Mouros, que foram levados a ela como negros e mulatos, e por que não convém, que semelhante gente, pelos seus maus costumes, se conservem na dita Capitania, é o mesmo sr. Servido que todos sejam remetidos a este Reino, declarando-se os nomes dos senhores deles para se lhes restituir aos seus correspondentes o preço pro que foram vendidos” [grafia atualizada].
Ainda hoje, entretanto, insiste-se nas “contribuições africanas” em aspectos outros como “a originalidade dos gestos macios e andar requebrado” como descrito numa publicação paradidática.
Por outro lado, algumas publicações têm nos ajudado a entender e a aproximar a África do Brasil. É o caso dos livros “África – Nossa história, nossa gente”, de Ademir Barros dos Santos e a coleção “História Geral da África”, publicada em dois volumes pela UNESCO, MEC (Ministério da Educação) e UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Tais publicações são um alento e uma esperança de que outros olhares possam trazer a África mais próxima do Brasil.
1. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tem/a/TncwRXVmbm3nfkvMfGJ5bkb/?lang=pt Acesso em 15 abr 2022.
Carlos Carvalho Cavalheiro é Mestre em Educação (UFSCar), Licenciado em História e Pedagogia Bacharel em Teologia, Especialista em Metodologia do Ensino de História e em Gestão Ambiental e Historiador brasileiro registrado no ME sob nº 317/SP.
Carlos Carvalho Cavalheiro sempre com assuntos de grande relevância, nos ensinando e atualizando sobre os mais variados assuntos, principalmente históricos. Muito bom!!
A redacção do Marimba Selutu – Órgão de Comunicação Cultural de Angola agradece pelo seu comentário.
Atenciosamente,
Equipa de Redacção
Excelente!! Sensacional!! Esclarecedor!!
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