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Um dos colaboradores do Marimba Selutu a analisar assuntos culturais que envolvem não só o povo brasileiro, mas também os aspectos comuns com Angola, o historiador e escritor brasileiro Carlos Carvalho Cavalheiro apresenta vários fundamentos sobre a Consciência Negra, mencionando Steve Biko, líder sul-africano contra o Apartheid.

Nesta curta entrevista, o também professor fala sobre a escravidão que até ao momento muitos negros têm enfrentado no Brasil e emite uma posição clara na sua especialidade histórica.

MS: Na qualidade de historiador, pode contar-nos como surgiu o Dia da Consciência Negra?

CCC: No Brasil, costuma-se a dizer que o Dia da Consciência Negra surgiu em 1978, por uma proposta do Movimento Negro Unificado em São Paulo. A data relembra a morte de Zumbi, líder de um agrupamento de escravizados fugidos do cativeiro. No Brasil, esse modelo de agrupamento recebeu o nome de Quilombo. Então, Zumbi era a liderança máxima do Quilombo dos Palmares. Em 20 de Novembro de 1695, depois de muita luta, ele foi morto. Virou símbolo de resistência à opressão e como no Brasil o racismo gestado na época da escravidão ainda perdura, o nome de Zumbi simboliza, também, a luta de hoje pelo reconhecimento da igualdade entre negros e não-negros. Importante lembrar que o conceito de Consciência Negra remete a Steve Biko, líder sul-africano contra o Apartheid. Em resumo e de uma forma simplista, seria a valorização da estética, da cultura e da História negra e africana mostrando a todos que a negritude também é modelo para a beleza, num sentido mais amplo.


Penso que todos aqueles que lutaram e lutam contra a opressão, mesmo aqueles cuja tez tenha pigmentação mais clara, são referências

MS: Quem são as grandes referências para que hoje este mês é pintado como a consciência negra?
CCC: Acredito que Zumbi e Dandara sejam as grandes referências para o Dia da Consciência Negra no Brasil. No entanto, na qualidade de Historiador, penso que todos aqueles que lutaram e lutam contra a opressão, mesmo aqueles cuja tez tenha pigmentação mais clara, são referências, de alguma maneira, para a celebração dessa data. A História do Brasil é repleta de exemplos de pessoas que se indignaram contra a escravidão, como o Preto Pio que liderou uma fuga de centenas de escravizados das fazendas de Capivari até a Serra do Mar, no Estado de São Paulo, para o Quilombo do Jabaquara. Ou mesmo Luiz Gama e Antônio Bento que participaram ativamente do movimento abolicionista. Enfim, muita gente, ontem e hoje. Gente cujas vozes precisam ser ouvidas e cuja memória precisa ser evidenciada.

Creio que faltem pensadores que possam teorizar o que é a cultura negra brasileira, fornecendo algum caminho para a formação de uma identidade

MS: E como tem sido divulgada a arte negra no Brasil?
CCC: Não sei se tenho competência para responder adequadamente a essa pergunta. Posso emitir uma opinião pessoal e que, por isso, é passível de crítica. Vejo que a cultura de massa não se preocupa em criar uma identidade negra para a produção cultural desse segmento. Ao mesmo tempo, temos uma retomada de tradições da cultura popular que procura entender e construir essa identidade de diferentes maneiras. Pessoalmente, creio que faltem pensadores que possam teorizar o que é a cultura negra brasileira, fornecendo algum caminho para a formação de uma identidade que permita evidenciar essa produção artística.

MS: A descriminação ainda é patente nos discursos políticos. Há uma intenção evidente ou são discursos apenas?

CCC: Infelizmente, a discriminação não permeia apenas os discursos políticos no Brasil, mas também está presente nas ações cotidianas das pessoas. O que nos choca hoje é que essa prática tenha alcançado os discursos políticos. Há pouco tempo, os políticos tinham vergonha do racismo, da intolerância, do ódio, da discriminação. Hoje em dia, vem crescendo o número de políticos que se manifestam abertamente contra as minorias. O actual presidente do Brasil, por exemplo, foi eleito com discursos como “Nem um centímetro a mais de terra para indígenas e quilombolas” e, outra frase terrível, “As minorias devem se curvar às maiorias”. Foi com palavras de ódio como essas que o presidente foi eleito. Lamentável.

Há um ódio que por vezes é latente e, por outras, patente a tudo o que tenha origem africana

MS: A religião contribuiu de alguma forma para essa afirmação?
CCC: Há um ódio que por vezes é latente e, por outras, patente a tudo o que tenha origem africana. Alguns grupos demonizam qualquer manifestação da cultura de matriz africana ou aquelas que, dentro de um processo de miscigenação, se transformaram em afro-brasileiras. Esse ódio e essa demonização tem sido ampliada por discursos pseudo-cristãos de igrejas. Desse modo, ocorrem muitos casos de violência contra as religiões de matriz africana como o candomblé e a umbanda no Brasil. Não é rara a existência de terreiros de candomblé que foram vítimas de alguma agressão. Algumas delas muito graves, como incêndios criminosos. Estamos vivendo tempos difíceis, tempos de intolerância e de discriminação. O ser humano novamente está perdendo sua essência.

PERFIL
Carlos Carvalho Cavalheiro é Mestre em Educação (UFSCar), Licenciado em História e Pedagogia Bacharel em Teologia, Especialista em Metodologia do Ensino de História e em Gestão Ambiental e Historiador brasileiro registrado no ME sob nº 317/SP.

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