– Estás a me ouvir?
– Tá me ouvindo?
Veja! Fones construíram ponte sonora do diálogo num encontro virtual tendo como objetivo uma paixão: o teatro.
Khristall Áfrika me botou pra matutar ao propor um trabalho conjunto com o monólogo “O Câncer”, de sua autoria. Ela em cena, eu na direção artística. Um encontro através de uma tela que aprofundou perspectivas de teatro, o transformando.
– Estás a me ouvir? – ela de lá.
– Tá me ouvindo? – eu de cá.
Abrimos nossas malas, apresentando nossas peças, contando suas histórias, remendos, preços e uso. Umas, quis botar e ver o quão confortável seria ou não, entretanto tornando o uso marcação primeira. O peso sustentado pela alça era possível à nossa força, apesar do óbvio cansaço. Na troca, tomei algumas peças emprestadas. Outras, juro, não devolvo mais.
Acendo um cigarro. Tá na hora de eu largar esse hábito, mas ainda não larguei. Acendo um cigarro e vejo Áfrika executando constantemente o magistral. Às vezes assisto. Outras, dirijo. Atento, oscilando entre parte e plateia. Entre o tempo futuro e presente, instante e depois. Coisas que se misturam e viram várias coisas, sabe?
Ouço e falo. Leio e grifo. Não posso esquecer isso e aquilo. Nada e tudo. Cada parte vale, comunica. Ouço e falo.
– Estás a me ouvir?
– Tá me ouvindo?
Eu que quase sempre tenho algum grau de distanciamento com o virtual, aceito que através de uma tela de celular, Angola e Brasil se conectaram, botando na roda suas vivências, percepções. Do prosaico ao profundo. Do banal ao denso. Como cada sujeito que pisa nesse lugar chamado mundo é.
De encontro em encontro, achamos o ponto. E o monólogo tomou outros espaços. Primeiro, a residência artística que a Khristall Áfrika fazia. Após, o Festival de Setúbal, lugar que o monólogo “O Câncer” foi coroado com menção honrosa. Honrosa, honra, honrado… eu honrado em ter feito pequena contribuição no processo. Nada que possa equivaler ao que representou pra mim.
Mexendo bem, ainda tem muito pra descobrir das coisas e suas imensidões. Mesmo que não faça ideia exatamente o que possa ser. Contudo, me atravessa a certeza dos encontros e permissão pra que os mares sejam navegados de maneira conjunta. Assim, também assim, se chega ao outro lado, acredito.
O final é o começo. As coisas confluem, não tem ordem exata. Ainda bem. Porque pra cada passo, tem uma estrada feita antes por outras mãos.
Evoé.
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Guigo Ribeiro é um artista brasileiro fazedor de literatura, música e teatro que tem estado a liderar e apoiar pessoas com deficiência através da prática de teatro com o grupo Museatro.