Algumas vezes, o facto é uma realidade material que o escriba enfrenta. Noutras, é fruto da imaginação conhecida como autocensura e deixa o profissional da escrita sem perceber se é ou não advogado do diabo.
A liberdade de imprensa já teve dias melhores. Após as eleições gerais em Angola que elegeu o presidente do MPLA para governar o país, todos os jornalistas, incluindo eu, fomos chamados para aquele que foi o primeiro grande encontro de um Chefe de Estado Angolano com a classe jornalística nacional e internacional a trabalhar no país.
Até as nossas manas zungueiras, os taxistas e aqueles que pouco entendem da arte de perguntar, “até falaram mal” dos jornalistas (explico-me mais adiante a base dessa afirmação).
Na qualidade de jornalista e CEO do Marimba Selutu, fui convidado a analisar o actual estado da liberdade de imprensa em Angola: suas dificuldades, desafios e oportunidades. A solicitação veio do tarimbado jornalista Venâncio Rodrigues, meu antigo colega no Novo Jornal, em 2012.
Os manuais do jornalismo trazem conceitos de liberdade de imprensa bem claros e se “der um Google” encontramos mais informações credenciadas de estudos e artigos científicos relacionados ao assunto. Porém, apesar de ser interessante analisar o contexto internacional da temática, é o caso angolano que mais interessa a todos nós. Ou seja, olhar no global para analisar o local. Mas olhemos mais para nós para tirarmos as melhores lições a fim de curar as nossas dores.
Desde que comecei a dar os primeiros passos como jornalista, pelas mãos dos professores do Centro Católico de Jornalismo do Bom Pastor, Isidro Chiteculo e Lourenço Matamba, e o meu amadurecimento posterior, através do rigor da ousadia do mestre Aguiar dos Santos, do Semanário AGORA, a liberdade de imprensa foi anualmente analisada de forma séria.
Inspirado na escola de Aguiar dos Santos, um veterano jornalista, mentor de dezenas de profissionais angolanos espalhados em quase todas as redacções e um dos fundadores do movimento de reivindicação para a melhoria da qualidade da liberdade de imprensa em Angola, nunca mais cruzei os braços em prol de uma nação que olha a imprensa como ferramenta estratégica para o amadurecimento da democracia.
Naquela altura, a época mais tenebrosa de nossa história, sob o comando de JES, um político africano que no auge do seu poder absoluto de 38 anos, geriu o silêncio e deu tantos processos criminais contra jornalistas angolanos, e, agora idoso está à salvo com todas as imunidades que preparou antes da sua saída do Palácio.
O entendimento generalizado sempre foi de que o poder político aprisiona a liberdade dos jornalistas em Angola e em várias partes do mundo. É neste cenário em que enfrentamos uma das mais altas crises da liberdade de imprensa, em que vem-me à tona o pensamento de Aguiar dos Santos.
Ano após ano, acompanhamos o sistema político afectar a liberdade de imprensa; a democracia ficou comprometida pela censura, dificuldade de acesso às fontes oficiais, sobrevivência e falência dos órgãos de comunicação social, ausência de uma agenda própria e rigorosa das redacções, agressão a jornalistas, impedimento de cobertura e muitas outras dificuldades enfrentadas pelos órgãos público e privados.
Para melhor nos posicionarmos diante deste cenário de imprevisibilidade, é necessário a despartidarização do acesso à publicidade para o sustento das redacções, reduzir ou acabar com a censura nas redacções públicas, melhorar a visão da autocensura, trabalhar para se reduzir o sensacionalismo nas notícias para vender manchetes, denunciar as compras para silenciar jornalistas, a repressão física, ameaças de morte, chantagem familiar, detenção, julgamentos e prisão para intimidação.
O número de jornais que desaparecem tende a aumentar, embora uma das oportunidades que muitos gestores destes veículos foi a adaptação ao mundo das TIC’s, que juntou tecnologia com a comunicação, gerando assim um jornalismo mais activo, actuante e fiscalizador. Sem desfazer-se da importância do jornalismo cidadão, que tem ajudado a divulgar todas aquelas informações que se tornam pautas dos grandes veículos de informação tradicionais e alternativos, através do uso de smartphones e redes sociais.
Apesar de ter ainda custos fora do padrão internacional, o acesso às tecnologias digitais através da internet, que é um direito humano da quarta geração, continua a ser um grande problema que tem sido analisado por vários actores como sendo uma estratégia política de manutenção do poder.
Retomando aquela questão de cima, em que cito as zungueiras e outros angolanos. Refiro-me à pergunta do jornalista João de Almeida, na qualidade de repórter da Rádio MFM, quando nos encontrávamos no Palácio da Cidade Alta. Naquele evento que marcou vibração canina de uma cultura mimada desprovida de jajão, o colega perguntou se o senhor João Lourenço estava a gostar de ser Presidente da República.
Essa pergunta, tirando as respostas defensivas que o colega da Huíla e o da Despertar receberam, foi o assunto que despertou o interesse de todos nós, criando uma espécie de alvoroço geral. Foi interpretado como um gasto de tempo que apenas ficou compreendido anos depois do apego ao poder que JLO mostrou.
Esse apego gerou vários cenários que assistimos ao longo do seu mandato, nomeadamente a mudança nas lideranças dos órgãos de comunicação social público e o controlo da imprensa por parte do poder político: uns até repousaram as suas penas para relaxar o estresse da perseguição.
Com RESILIÊNCIA&FÉ.