Vissungos – Carlos Carvalho Cavalheiro

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Capa do livro O Negro e o garimpo em Minas Gerais. Foto: DR
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Possivelmente foi o escritor e pesquisador Aires da Mata Machado Filho quem mais difundiu o termo vissungo, referente a cantigas de trabalho, quando da publicação de seu clássico livro “O Negro e o garimpo em Minas Gerais”. Uma rápida pesquisa na internet sobre a palavra vissungo deixará evidente que essa obra se tornou referência sobre o assunto.

O também pesquisador Nei Lopes define o termo vissungo, na sua “Enciclopédia Brasileira da Diáspora africana” como sendo “canto de trabalho dos negros benguelas de Minas Gerais. Do umbundo ovisungu, plural de ochisungu, ‘cantiga’, ‘cântico’” (LOPES, 2004, p. 677).

O fato de Nei Lopes restringir o uso do termo aos benguelas que foram enviados para Minas Gerais é, possivelmente, um indicativo de que utilizou o livro de Aires da Mata Machado como referência. O sociólogo Clóvis Moura, por sua vez, ao discorrer sobre o assunto, traz mais detalhes e aponta Aires da Mata como fonte principal.

No “Dicionário da Escravidão Negra no Brasil”, Clóvis Moura apresenta o seu verbete para a palavra vissungo: “Tipo de canto de trabalho especial, criado pelos escravos no interior e na zona decadente dos garimpos em Minas Gerais, no início do século XIX. Os vissungos dividiam-se em boiado, cantado a solo pelo mestre e dobrado, canto solo seguido por um coro. Machado Filho (1943) traduz o termo “vissungo” como “fundamento”, vocábulo que, até hoje, no vocabulário da dança meio religiosa e meio profana, designa o sentido oculto dos versos cantados em forma de metáfora. Isso se explica pela necessidade dos escravos de se comunicarem sem serem entendidos pelos brancos, como desejo de preservação de sua cultura e de seus costumes” (MOURA, 2004, p. 418).

Sendo a fonte principal acerca do vissungo a obra de Aires da Mata Machado Filho, é de bom alvitre ler em suas páginas o que esse autor diz sobre o assunto em tela. Aires da Mata Machado Filho diz que “Das peculiaridades étnicas da população sanjonense[1] e do especial teor de vida deriva a grande importância das cantigas de negros entoadas nas lavras. É que, fortemente influenciada pelo elemento negro, formou-se e cresceu no influxo da mineração. Esses cantos de trabalho ainda hoje são chamados de vissungo” (MACHADO FILHO, 1964, p. 57).

Talvez pelo fato de apenas Aires da Mata ter se interessado em registrar tais cantos dos escravizados, tenha-se reduzido o conceito a cantigas de trabalho em áreas de mineração, realizada pelos benguelas, no que hoje é o Estado de Minas Gerais. Os cantos coletados por Aires da Mata Machado renderam um disco (LP) com interpretação e grandes nomes do samba como Clementina de Jesus, Tia Doca da Portela e Geraldo Filme. Esse álbum musical foi lançado em 1982 e pode ser ouvido hoje em plataformas na internet. Em 2006 saiu uma versão em Compact Disc (CD) pelo selo Eldorado.

Mas seriam os vissungos realizados apenas na região de Minas Gerais? Sabe-se que depois de 1850, com a promulgação da lei Eusébio de Queiroz, que definitivamente proibiu o tráfico de escravizados da África para o Brasil, estabeleceu-se um comércio de cativos entre as províncias brasileiras. Assim, escravizados de regiões de economia decadente – como é o caso das Minas Gerais no século XIX – foram vendidos para outras regiões, por exemplo, a província de São Paulo onde a produção de café se alastrava requerendo cada vez mais braços escravos para a lavoura.

Angola, Benguela e Cabinda eram grandes portos dos quais partiram navios negreiros para o Brasil (CORREIO BRAZILIENSE, 1814). É difícil estabelecer se alguém vindo do Porto de Benguela como escravizado era realmente da etnia benguela. Mesmo assim, é possível encontrar escravizados tidos como de origem benguela em outras localidades do Brasil que não a das Minas Gerais. Manoel Pinto Pereira, ferrador na rua do Valongo, no Rio de Janeiro, anunciou a vende de um moleque escravizado “benguela” em 1817 (GAZETA DO RIO DE JANEIRO, 21 jun 1817, p. 4). Entre escravizados de Porto Feliz, cidade do interior de São Paulo, arrolados num processo da Inquisição de 1741 havia alguns de Angola, do Congo e de Benguela. É possível que esses escravizados tenham espalhado a tradição dos cantos de trabalho (vissungos) para outras regiões do Brasil?

[1] Refere-se a São João da Chapada, antigo distrito do Município de Diamantina, no Estado de Minas Gerais, Brasil.

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Referências

CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. O negro em Porto Feliz. Sorocaba: Crearte, 2015.

LOPES, Nei. Enciclopédia da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.

MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964.

MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.

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