A Batalha do Vau do Pembe – Carlos Carvalho Cavalheiro

0
167
A emboscada dos Cuanhamas na clareira de uma floresta, perto do rio Cunene (Angola). As tropas portuguesas, compostas de 500 homens, combatem corpo a corpo com inimigo em número dez vezes superior (Angelo Agostini, O Malho, 1904). Foto: Wikipédia
- Publicidade -

O colonialismo europeu sobre a África tornou invisível diversos movimentos de resistência, dando a falsa ideia de que os invasores não encontraram dificuldade em seu avanço contra os povos africanos. Essa falsa visão – que não se sustenta diante das diversas notícias que emergem do limbo do esquecimento da História – é reforçada pelo próprio alicerce que sustentou o colonialismo: a pretensa superioridade dos europeus sobre todos os outros povos do planeta.

Desse modo, a “justificativa” de que os europeus invadiram a África com o intuito de “levar civilização” se coloca como fato, escondendo-se a real intenção de exploração dos recursos naturais e a ampliação do mercado consumidor dos produtos da Europa.

A vitória dos africanos, em alguns episódios, contra os colonizadores europeus revela que não houve passividade diante da sanha dos exploradores, mas, também, que a pretensa “superioridade” europeia é tão somente uma falácia.

Um dos casos mais icônicos nesse sentido foi o da resistência dos etíopes liderados pelo rei Menelik II que não somente impediu o avanço dos italianos como obteve, a partir dessa vitória, um acordo de não agressão dos outros povos europeus. A Etiópia foi o único país africano a não sofrer o colonialismo europeu. O outro país foi a Libéria, mas, neste caso, não se trata exatamente de um território historicamente povoado por africanos. No caso da Libéria, esse país foi formado por ex-escravizados dos Estados Unidos. Tanto que o modelo de organização do país foi inspirado nos moldes estadunidenses.

No caso de Angola, segundo o livro “História Geral da África”, editado por Valter Roberto Silvério, no início do século XX ocorreram algumas ações contra os colonizadores portugueses. Por exemplo, em 1896, “os bié de Angola organizaram uma emboscada contra um destacamento colonial encarregado de estabelecer postos no interior, justamente em seus territórios” (SILVÉRIO, 2013, p. 362). O antigo reino do Bié, atual Província de Bié, era formado por ovimbundos (bienas e bailundos) cujo território foi invadido no século XVII pelos imbangalas. Da fusão desses povos surgiu o Reino do Bié.

A resistência angolana contra os portugueses manteve-se ativa nos anos seguintes. Ainda recorrendo a Silvério, vemos que em “Angola, os biés, humbe e ganguela começaram por combater o estrangeiro sem apelar aos seus vizinhos, que, no entanto, detestavam igualmente os portugueses” (SILVÉRIO, 2013, p. 362).

Outro conflito que resultou na vitória dos africanos contra os portugueses passou para a História com o nome de Batalha do Vau do Pembe. Embora não se comente muito sobre ela (ao menos aqui no Brasil), essa foi uma dos confrontos em que os europeus não conseguiram vencer os angolanos.

A batalha ocorreu no dia 25 de setembro de 1904, no contexto do auge do colonialismo e da Belle Èpoque, período compreendido entre os anos 1880 a 1914 no qual a civilização europeia vendia a ideia de progresso e bem-estar que seria alcançado por todos os povos sob a égide do capitalismo. A Belle Èpoque representou um período de otimismo no futuro rompido pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Os cuamato, liderados pelo rei Tchetekelo (Oshietekela), enfrentraram as forças expedicionárias do exército português, lideradas pelo capitão Luís Pinto de Almeida.

Metade das forças portuguesas, correspondente a 250 soldados, foi morta durante a batalha que ocorreu no vau do Pembe, no rio Cunene. A derrota dos portugueses foi sentida e repercutiu até mesmo em suas ex-colônias.

No Brasil, numa cidade do interior do Estado de São Paulo, chamada Sorocaba, numa reunião de uma sociedade portuguesa, o assunto veio à baila.

O jornal Cruzeiro do Sul, da cidade de Sorocaba, noticiou no dia 30 de outubro de 1904 o seguinte:

Real S. B. P. Vasco da Gama[1]

A 25 do corrente teve lugar mais uma sessão extraordinária desta sociedade, do qual damos sucintamente o resumo dos principaes assumptos tratados.

Aberta a sessão, foi lido um telegramma do sr. Ministro Portuguez o Rio, em resposta ao que a Sociedade lhe havia mandado nos seguintes termos:

“Ministro Portuguez, Rio, Ral Sociedade B. Portugueza Vasco da Gama, de Sorocaba, associa-se dôr desastre nossos irmãos [em] Angola”.

[…] (CRUZEIRO DO SUL, 30 out 1904, p. 3).

A Sociedade Vasco da Gama de Sorocaba sempre esteve atenta ao que ocorria em relação a Portugal (CAVALHEIRO, CAVALHEIRO, 2018). O fato de se reportar ao representante português no Brasil, externando “dor” pelo “desastre” contra os “irmãos”, demonstra o quão impactante foi a derrota na Batalha do Vau do Pembe. E, por isso, esse é um fato histórico que não pode ser esquecido.

[1] Abreviatura de Real Sociedade Beneficente Portuguesa Vasco da Gama. Essa Sociedade existe até os dias atuais e foi fundada em 22 de maio de 1898 com a finalidade de oferecer apoio aos operários portugueses residentes na cidade de Sorocaba. Esse apoio consistia em estreitar os laços desses operários portugueses com as representações diplomáticas portuguesas no Brasil, bem como oferecer assistência social (médico, farmacêutico, financeiro em casos de invalidez, etc). Para saber mais, ver: CAVALHEIRO, Carlos Carvalho., CAVALHEIRO, Marcelo Carvalho. Sorocaba Lusitana – 120 anos da Sociedade Beneficente e Recreativa Vasco da Gama. Sorocaba: Crearte, 2018.

Deixe o seu comentário
Artigo anteriorSó o primeiro mundo que não tem – Guigo Ribeiro
Próximo artigoProjecto «JAHNGOLA» junta Kizua Gourgel e Prince Wadada em Lisboa

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui