Há duas décadas, num artigo publicado no então Semanário Angolense, antecipei a projeção global da música nigeriana. O tempo confirmou, de forma inequívoca, a minha previsão. Na mais recente edição dos Grammy Awards, o Afrobeats dominou as nomeações, com proeminentes artistas nigerianos como Tems, Burna Boy e Davido a liderarem a corrida.
A omnipresença da música nigeriana é inegável, ecoando em espaços tão diversos como os cafés do Dubai, os bares da Cidade do México, e as estações de rádio de Tóquio a Tahiti.
Esta transformação representa um marco significativo. A presença de dois pastores nigerianos, reconhecidos pelos seus contributos musicais, na cerimónia de posse do Donald Trump, ilustra a influência crescente da música nigeriana.
A recente disputa de royalties envolvendo um cantor gospel nigeriano e o seu agente, com valores na ordem dos milhões de dólares, demonstra a robustez financeira da indústria. Os honorários atualmente auferidos por músicos nigerianos representam um contraste impressionante com o cenário de outrora.
Este sucesso não é fortuito, mas sim o resultado de políticas estratégicas deliberadas. A restrição à música estrangeira desempenhou um papel crucial no desenvolvimento de uma base de fãs local para os artistas nigerianos. Numa época em que os nigerianos dispendiam somas consideráveis para assistir a breves atuações de artistas americanos, a promoção de talentos nacionais permitiu que estes conquistassem o seu espaço, estabelecendo-se como presenças assíduas em casamentos, cerimónias e concertos, e construindo carreiras sólidas num ecossistema de apoio ao talento emergente.
A profissionalização do marketing constituiu outro fator determinante. A adoção de estratégias inovadoras, por parte de especialistas em marketing contratados pelos músicos, impulsionou a divulgação da música nigeriana a uma escala global. Atualmente, artistas nigerianos esgotam estádios em todo o mundo. Apesar de algumas críticas depreciativas, que catalogam a música nigeriana como “pop chiclete” superficial, o seu sucesso inegável, comprovado pela capacidade de atrair multidões de Mumbai a Seul, exige uma análise mais aprofundada.
A língua inglesa, língua franca do comércio e da cultura global, oferece uma vantagem adicional. A popularidade dos filmes nigerianos no mundo anglófono demonstra a capacidade dos criadores nigerianos de produzir conteúdo com apelo universal, explorando este ativo linguístico de forma eficaz. Este modelo espelha a estratégia de Hollywood, que há décadas utiliza o cinema para projetar uma determinada visão da cultura americana.
A minha experiência pessoal na Zâmbia ilustra a transformação em curso. Na minha juventude, a música estrangeira dominava o panorama sonoro. A aspiração de ser músico passava pela imitação de artistas internacionais. Em 1979, o lançamento do álbum “Off the Wall” de Michael Jackson causou um impacto profundo, e a nossa admiração pelos músicos de Los Angeles e Nova York era reflexo da programação radiofónica da época. Inicialmente, a música americana era a principal influência, embora artistas como Franco, do Congo, também tivessem presença na rádio, até que o surgimento do “Zamrock” introduziu uma nova dinâmica.
A banda WITCH (We Intend To Cause Havoc) destacou-se como um dos pioneiros do “Zamrock”, tornando-se a banda mais popular da Zâmbia nos anos 70. Liderados por Emanuel “Jagari” Chanda, eles fundiram elementos de garage rock, blues, funk e rock psicadélico com ritmos tradicionais zambianos. Embora a maioria dos membros originais já tenha falecido, o seu legado permanece vivo.
O lançamento do primeiro álbum comercial da Zâmbia, “Introduction”, em 1972, e o crescente interesse internacional no seu som distintivo, incluindo a produção de um documentário, testemunham a sua importância.
Atualmente, a Zâmbia possui uma indústria musical vibrante, com jovens músicos profissionais. O falecimento recente de Dandy Krazy, que cantava maioritariamente em línguas zambianas, e cujo funeral, transmitido em direto, atraiu milhares de pessoas, demonstra a vitalidade da cena musical local. Os seus concertos, frequentemente esgotados graças a estratégias de marketing eficazes e letras socialmente conscientes, ilustram a evolução da música zambiana.
Este fenómeno cultural encontra paralelo na ascensão do Amapiano sul-africano, um género com raízes nas comunidades dos townships que conquistou popularidade tanto na África do Sul como a nível internacional. Quando uma cultura valoriza a sua própria produção artística, cria produtos com potencial de apelo global.
Angola possui um património de artistas talentosos, um facto que se torna cada vez mais evidente. Para assegurar que os nossos músicos alcancem o reconhecimento global, competindo por nomeações para os Grammy e outros prémios de prestígio, é imperativo adotar uma estratégia concertada. Tal como a Nigéria, Angola necessita de desenvolver abordagens sistemáticas para a produção e promoção musical.
Este processo exige uma segmentação criteriosa dos mercados internacionais recetivos à música angolana, bem como a criação de infraestruturas que permitam a realização de digressões internacionais. O sucesso de Lucky Dube no circuito universitário americano serve de exemplo, mas a promoção da música angolana exige mais do que a presença nas redes sociais. É fundamental garantir a cobertura dos nossos músicos em revistas especializadas, a produção de crítica musical de qualidade e a realização de documentários sobre a sua arte.
O mercado brasileiro apresenta-se como uma oportunidade promissora, mas é igualmente importante explorar outros mercados, como a América do Norte. Para que os músicos angolanos alcancem o reconhecimento internacional que os nigerianos detêm atualmente, é essencial investir em expertise nas áreas de marketing, publicidade e comunicação estratégica. Só através da aquisição destas competências profissionais poderá Angola afirmar a sua identidade cultural no cenário mundial.