Em “Exagera Mais Senhor”, o duo angolano Jesus e Salem apresenta uma prece imbuída de um ritmo contagiante. A canção captura a essência do cristianismo pentecostal africano contemporâneo – um fiel que suplica a Deus a magnificência das Suas bênçãos, almejando desde o matrimónio até a obtenção de um visto. É esta combinação do sagrado com o profano que consagrou Jesus e Salem como uma das vozes mais eloquentes da música africana contemporânea.
A sonoridade do duo exemplifica a evolução da Afro-gospel. As suas composições entrelaçam as melodias melífluas da Afro-pop com os ritmos de guitarra da rumba congolesa, criando uma tapeçaria musical singular que apela tanto à emoção como ao movimento.
Esta fusão granjeou-lhes uma vasta audiência que transcende as fronteiras de Angola – desde as igrejas pentecostais de Luanda às congregações em Moçambique e São Tomé, das comunidades da diáspora portuguesa a um público crescente no Brasil.
O seu sucesso reflete uma transformação mais ampla na música cristã africana, profundamente enraizada no apelo da teologia da prosperidade em todo o continente. Quando Jesus e Salem invocam a abundância divina de bênçãos, exprimem uma crença generalizada na interconexão entre o bem-estar espiritual e material. Esta teologia, que associa o sucesso financeiro a uma bênção divina, ressoa com particular intensidade em comunidades confrontadas com desafios económicos.
A Afro-gospel, agora o nono género mais ouvido em streaming na África subsaariana, representa mais do que um mero movimento musical – é uma poderosa reconciliação entre a devoção religiosa e a identidade cultural. As suas letras abordam diretamente as preocupações da vida quotidiana, preservando a cosmovisão holística africana tradicional que integra as dimensões física e espiritual da existência.
Quando os artistas cantam sobre a intervenção divina na obtenção de bens materiais ou o poder de Deus para elevar os crentes da pobreza à abundância, exploram convicções profundamente enraizadas sobre o papel da fé na ascensão individual.
Contudo, esta mensagem de prosperidade não está isenta de críticas. Alguns teólogos preconizam a teologia Ubuntu, que enfatiza o bem-estar coletivo e a justiça económica em detrimento da acumulação de riqueza individual. Esta tensão – entre a prosperidade pessoal e a solidariedade comunitária – espelha um debate contínuo sobre o equilíbrio entre as aspirações materiais e os valores africanos de comunidade. O apelo duradouro do género reside na sua capacidade de navegar por estas complexidades, transmitindo simultaneamente mensagens de esperança, redenção e despertar espiritual.
O que torna o género particularmente fascinante é o seu ADN musical. Instrumentos africanos tradicionais coexistem com técnicas de produção contemporâneas, enquanto as letras transitam fluidamente entre línguas locais e influências globais. Quando “THIS YEAR (Blessings)” de Victor Thompson ascende nas tabelas internacionais, ou quando “Omemma” de Chandler Moore se torna viral, torna-se evidente que isto transcende a mera música religiosa – é expressão cultural par excellence.
O género tornou-se uma ponte intergeracional. Jovens artistas adotaram plataformas de redes sociais como o TikTok e o Twitter, transformando mensagens espirituais em momentos partilháveis. Nomes como Angeloh, Greatman Takit e Tobi Toun não são apenas músicos; são evangelistas digitais que se expressam na linguagem da Geração Z, transmitindo verdades intemporais.
Este sucesso reside na capacidade de manter a autenticidade espiritual, abraçando simultaneamente a relevância cultural. Cada canção serve como um testemunho de como a fé pode ser expressa de formas que honram tanto a tradição religiosa como a herança cultural. Para os jovens cristãos africanos, isto significa não ter de alternar entre a sua devoção dominical e a sua expressão cultural diária.
A popularidade de Jesus e Salem nas numerosas igrejas pentecostais de Luanda demonstra a profundidade da ressonância desta nova sonoridade. A sua música, tal como o movimento Afro-gospel mais vasto, demonstra que a fé e a cultura contemporânea não são forças antitéticas, mas sim elementos complementares de uma identidade rica e vibrante.
À medida que as suas audiências continuam a expandir-se no mundo lusófono, eles ilustram como a inovação musical local pode dar voz a anseios espirituais universais.
__
Sousa Jamba é o pseudónimo de Aníbal José Ivan de Sousa Jamba, escritor e jornalista angolano nascido na Missão de Dondi, no município de Cachiungo, em Angola.