A Capoeira Angola… De Angola? – Carlos Carvalho Cavalheiro

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Associação de Capoeira Angola Bem Brasil, sob a coordenação de Mestre Jaime Balbino em paços de capoeira na Praça Coronel Fernando Prestes, em Sorocaba, Brasil. Foto: Carlos Carvalho Cavalheiro.
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Existe no Brasil uma luta/arte marcial chamada capoeira que, a considerar a sua difusão em outros países, creio seja conhecida também na África. Aliás, tradicionalmente acredita-se de que a capoeira tenha surgido com os africanos da diáspora enviados ao Brasil como escravizados entre os séculos XVI a XIX.

Obviamente que muitos indícios apontam para a origem da luta entre os africanos. Primeiro, porque as tradições orais assim a concebem. Os mestres mais antigos dessa arte e que deixaram algum depoimento registrado apontam sempre para essa possibilidade. Segundo, os documentos dos séculos XVIII e XIX, especialmente registros policiais, apresentam um elevado número de africanos (livres e escravizados) e seus descendentes envolvidos com a capoeira. Como se tratava de um contexto de escravidão, lutas corporais nas ruas e em outros logradouros eram, geralmente, reprimidas.

Outro fator que leva a supor a origem africana da capoeira está ligado à própria instituição escravocrata. Afinal, notoriamente os princípios da luta capoeira estão associados à desigualdade de condições entre os contendores. Com isso, quer-se aqui dizer que a capoeira foi desenvolvida pensando-se em situações de conflitos onde imperavam a desigualdade: enfrentamento de pessoas armadas, em maior número ou com mais força física.

Porém, a origem da capoeira, como poderia se prever, é uma incógnita. Há quem advogue, por exemplo, a sua origem mista, com a contribuição de lutas de rua de portugueses, técnicas de combate dos indígenas brasileiros e, obviamente, lutas e bailados africanos como o N’golo ou dança da zebra. De acordo com estudiosos, o N’golo é uma espécie de dança que simula uma luta e teria se desenvolvido entre o povo Mucope, ao sul de Angola.

É possível que esse tenha sido o motivo pelo qual a capoeira tradicional da Bahia (Estado do nordeste brasileiro) tenha sido denominada de “Capoeira Angola” ou “Capoeira de Angola”. E essa ideia se perpetuou nas cantigas das rodas de capoeira. Não sei se os amigos africanos sabem, mas há uma ritualística básica na execução da brincadeira (é como se chama o exercício corporal) da capoeira: é feita em uma roda onde dois contendores se desafiam. Os outros participantes cantam, batem palmas e tocam instrumentos como o berimbau (um arco tocado com uma baqueta) e o pandeiro. Outro indício de sua origem africana: pintores do século XIX registraram africanos no Brasil tocando berimbau.

“Que navio é esse / que chegou agora / É navio negreiro/ com escravos de Angola”, diz uma das cantigas de capoeira. Outra cantiga reforça a “paternidade” angolana da luta: “Sou angoleiro / venho de Angola / Valha-me, Deus / e minha Nossa Senhora”.

Por volta do ano 2004, entrevistando o professor e geólogo angolano José Fernando Pires dos Santos, descobri que na cidade de Quilengues (Província de Huila), em Angola, havia uma série de brincadeiras entre as crianças que, ao juízo do entrevistado, assemelhavam-se à capoeira brasileira. Dez anos depois encontrei na Bienal Internacional do Livro de São Paulo (importante cidade e capital de Estado brasileiro), o jornalista e escritor Fernando Guelengue que, a época, estava num estande do evento. A semelhança fonética entre o sobrenome do jornalista e a cidade em questão levou-me a perguntar a ele se havia alguma relação. Não havia. Perdi a oportunidade de aprofundar uma pesquisa, mas ganhei um amigo. No fim, o ganho foi até maior.

Até pouco tempo acreditava-se que a capoeira era a única forma de luta desenvolvida pelos africanos em solo americano. Esse era um problema para pesquisadores (antropólogos, sociólogos, historiadores), pois não havia explicação convincente para isso. No entanto, descobriu-se que lutas semelhantes à capoeira foram espalhadas pela América: o Danmye, a Ag’Ya ou Ladja na Jamaica e Martinica, bem como o Moringue nas possessões francesas. Incluindo, assim, a Ilha Reunião e Madagascar na África.

IMPORTANTE: O presente texto está escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que Angola ainda não ratificou.

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É professor de História na rede pública municipal de Porto Feliz (Brasil). Escritor, poeta, historiador, pesquisador de cultura popular e documentarista. Autor de 30 livros, sendo o mais recente o romance “O Legado de Pandora”, publicado em junho de 2021. Acadêmico correspondente da FEBACLA (Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes). Mestre em Educação (UFSCar), é licenciado em História e em Pedagogia. Bacharel em Teologia.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Muito transparente nas informações sobre nossa base cultural, está dentro dos fundamentos deixados pelos nossos Angoleiros mais antigos e tradições que é mantido e transmitido de Mestre para discípulo .Muito obrigado… Sucesso

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