Selton, o ralo fede. Putrefato funcional. Funcional, logo, mais cheiroso que o shopping. Você já sentiu o cheiro do shopping? Ele fede! Ele fede a amargura de uma volta cara, por mais barato que seja. Fedem os corredores de acesso ao nada que, por mais que acessem, chegam sempre e determinantemente ao nada. Publicidade, moda, colesterol, diabetes, euforia, idealizações. Tudo com odor inferior ao rio que mais transporta fezes. Shoppings exalam a podridão anestesiada de bem-estar.
É sério!
O ralo é presença mais importante, se pensar legal, Selton.
Executivos transitam pelos corredores. Burgueses habitam seu espaço. Vestem caro, gastam muito e pagam o proporcional ao próprio vazio. Distribuem notas, transferências, crédito. São fedidos por mais que em seus pescoços estejam gotas de Paris.
É um cheiro que tento explicar. Você entende? É um cheiro de dinheiro jogado no ralo. Um cheiro de espaços reproduzindo qualquer coisa fashion. Um cheiro de consumo misturado ao vazio. É o cheiro do hálito do negacionista. Fede!
Um segurança fez valer a lei que botaram em sua cabeça: todo e qualquer sujeito presente que não carregue o odor predominante deve ser imediatamente enquadrado como suspeito, não carecendo nome, foto e dados em sistema. Só, somente só, a percepção olfativa. Assim, na escolha nasal, o segurança farejou presentes inaptos. Perguntas, olhares, detalhamento de valores em conta e respostas, deu a orientação: que se retire imediatamente após o uso de seu baixo orçamento. Selton, juro, o rapaz acatou, não sem antes exigir estar diante de alguém ou algo cheiroso no espaço. Saiu embaixo de pancadas e sob alegação de roubo (não furto) de um perfume.
Assim é e não me leve a mal. Não é sobre gostar de fedor do buraco no chão. É achá-lo mais útil que a beleza divida em lojas. E só.
Cê sabe que penso se não é em todo canto, Selton? Será?
Em Luanda cheira como?
Madrid fede, não?
Milão?
São Paulo sei que sim.
Tóquio?
Cheiros que insistem em parecer bons. Engano! A comida das redes tem cheiro de passado, a loja de sapato transcende o suor entre os dedos, a camisa, novas, mostram novas 8 horas de uso, totalizando 12 com coletivos. O estacionamento, pneus gastos e óleo. O banheiro, mesmo após a faxina, fede. E não é por conta do profissional que ali exerceu seu trabalho. É causa de algo que não se toca, vê. É outra coisa.
Ainda sim, Selton, parece bom.
Para alguns, não para mim. Para mim não, mesmo vivendo com o nariz entupido.
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Guigo Ribeiro é um artista brasileiro fazedor de literatura, música e teatro que tem estado a liderar e apoiar pessoas com deficiência através da prática de teatro com o grupo Museatro.